Portão 13, setor da Galoucura. Eu tava lá. Por mais que se cante, e como se cantou, o som se dissipa no ar, e sobe pro além como o padre do balão. Mas não é o caso de ficar reclamando, Deus me livre ser esse João Gilberto da arquibancada. Como um cético total, daqui pra frente vou me permitir a crença nas energias, da mesma forma que faço três sinais da cruz no começo de cada tempo – não sei o porquê e nem quando isso começou. Também terceirizo à minha mãe o trabalho de acender velas para Santa Rita, devota que é, antes de toda final. Vai quê, né?
As energias. Meus amigos, dali de trás do gol, onde se encontra a famosa Galoucura, algo de extraordinário e transcendental emana daquele conjunto de vozes e tambores, não há dúvida. Cada um seu próprio Pavarotti, e pouco importa que rumo se dará, depois, às ondas sonoras, dane-se, o negócio é o mantra daqueles atabaques funkeados, aquela macumba virada no Jiraya.
Deve ter mesmo esse troço de energia. Porque mais importante do que a onda sonora é a onda de amor, irmanada naquela confusão do inferno, bandeiras que te impedem de ver o jogo, chope que voa por sobre cabeças atarantadas, cheiro de maconha e desodorante vencido. Eu vi um Aston Martin no estacionamento. Mas ali, naquele pedaço, o Galo ainda é o Galo – time de preto, de favelado, e quando joga o Terreirão fica lotado.
Na quinta-feira, ao que parece, o Galo fez um jogo tático perfeito. Defendeu-se muito bem, não correu riscos, e os melhores momentos, me disse um amigo, só deu nóis. Tudo isso apenas me parece, porque, embora testemunha ocular, nada vi. Estava lá apenas a emanar energias, digamos assim. Como um velho hippie sentado na pirâmide em São Tomé das Letras. Só que punk, chutando lixo na calçada e assustando velhinha na fila do pão.
Senhores, não deixem a Galoucura morrer! Ela não apenas comanda a festa com seu funk proibidão, mas é alma e coração da arquibancada que a gente sentou quando era menino e terminou engolido por essa patologia incurável, essa maravilhosa doença que é ser atleticano. “Eu pixo muro, eu fumo bagulho, eu cheiro branco” – como é que se pode cantar um absurdo desse sem tirar as crianças da sala, e ainda assim fazê-lo como uma reza? Um descarrego de igreja evangélica, o Om que os budistas fazem e a gente converte num show dos Sex Pistols.
“Osho, ô Osho, os Maria é tudo frouxo!”. Quanta misoginia, meus amigos, vamo parar com isso, se bem que o resto da letra é uma mina empoderada, dando rolê com quem bem entende etc. e tal. Sim, vamo parar mas, por favor, continuem. Gosto de pensar nessa música como se fosse o Osho, aquele Rajneesh doidão que se instalou no Oregon e cujos seguidores eram ainda mais doidos.
Vai ver o Osho, lá de cima, opere a nosso favor. Naquela hora em que se evoca o Rajneesh, é quando o Alonso volta a ser o velho Alonso. O Hulk segue sendo o Hulk. O Paulinho, o Paulinho. Só falta o Bernard e ele virá. Toda energia emana do povo, e pelo Galo será exercida.
Logo sou abordado por dois camaradas que se dizem fundadores da “Galosofia”. Tentam me explicar a que se refere tal nome, no meio da balbúrdia não entendo nada e retruco com os dizeres da histórica faixa da Dragões da FAO, a Força Atleticana de Ocupação: “Filosofia máxima de um povo”. Quando se afastam, posso ver o escrito nas costas de suas camisas: “Galo, logo existo”. A verdade é que todo mundo é um pouco Osho no meio dessa nossa galoucura. Osho, ô Osho!
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Agora estamos na semifinal da Copa do Brasil, e na quarta começa a decisão das quartas da Libertadores. Tem um Bahia aí no meio, amanhã mesmo, seja o que Osho quiser. O Galo não joga um futebol bonito, mas de alguma forma ficou copeiro a partir da eliminação do São Paulo, de quem não nos cansamos de vingar o Reinaldo de 1977. A energia que emana do povo vai fazer o Galo campeão. Apenas o velho normal.