Atenção para a fase mais aguda da doença. Ao que parece, o problema não afeta o coração. Segundo dados coletados por 90 minutos no holter do atleticano, tal víscera comportou-se adequadamente tanto no pênalti perdido do Hulk como no golpe fatal de Deivinho. Se alguém morreu, como eu, morreu mas passa bem.

Tampouco há sinais de danos psicológicos mais graves. O penal desperdiçado não foi gatilho para a conhecida crise de bipolaridade – o paciente se manteve estável. Em meu caso, fui à varanda, dei uma suicidada e já voltei, virado no Jiraya: “EU ACREDITO! EU ACREDITO!”.

 



 

Bem entendido, voltei ao meu sofá da Forma, sobre o qual discorri num latifúndio de parágrafos coluna passada. O sofá da Forma, para quem não leu, é um poderoso amuleto. O trono da sorte. A única bet em que você não toma na bunda – ao contrário, você entra com a bunda e sai sempre ganhando. Recomendo a todo atleticano listado no Bolsa Família.

 

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Pode me chamar de torcedor de sofá. Não me arrependo. Um cético total das coisas de Deus é sempre um crente no Efeito Borboleta, teoria segundo a qual se uma borboleta bate a asa lá na China, as consequências disso reverberam por todo o universo, mudando o rumo das coisas. O que leva a crer que, tivesse eu me deslocado Fernão Dias afora, toda a realidade da última quarta-feira seria outra. Deus me livre ser o corvo a foder tudo com a minha asa de borboleta.

 

A saber, não apenas me agarrei às almofadas do bom sofá, como reforcei o time convocando o amigo que estava sentado nele, junto com a minha pessoa, no dia 30 de maio de 2013, posteriormente celebrado como o Dia de São Víctor, o dia do milagre primeiro.

 

 

O cara encontrava-se avariado, mas arrastou-se com suas muletas, largadas ao relento tão logo atingiu a segunda de suas 250 cervejas. No derradeiro gol de Deivinho, seu modo saci evoluiu perigosamente para um exercício de solo da Rebeca Andrade. Segurava o amigo acrobata enquanto tentava abafar a profusão de palavrões com os quais o meu filho exerce a plena felicidade do gol, afinal somos novos no edifício. Isso é que dá beber cerveja sem álcool, você acaba virando uma pessoa razoável, não recomendo a ninguém.

 

Juro que acordei de ressaca no dia seguinte. A cabeça pesada, entendi foi nada. Fiquei naquela beberagem morna da cerveja zero, algo entre um chá de cevada e o Mate-Couro sem gás, e acordo como se eu fosse o Fluminense e o Atlético tivesse passado por cima de mim? Como se eu fosse o Tiago Silva e houvesse um Deyverson sobre a minha carcaça craniana? Que coisa desagradável! É bem aí, porém, que desejo chegar: não era ressaca, era a fase aguda da doença que já se pronunciava – aquela que poupa o coração e se aloja no cérebro. Não há cura.

 

O atleticano doente tem agora o cerebelo e suas vizinhanças tomados pelo vírus do Atlético. Qualquer conversa sobre outro tema é tão somente um esforço hercúleo, quando não um fingimento atroz. Assuntos outros que entram por uma orelha em saem por outra, enquanto a massa cinzenta está a elaborar sobre aquilo que importa: o River, o Deivinho, o Paulinho, o Milito, o Hulk, o Scarpa. Vou de carro para Buenos Aires? Faço o carreto do meu sofá? O atleticano só pensa naquilo.

 

 

Minha querida Vivi manda emojis de corações apaixonados. Devolvo galos e galinhas, e entrevistas do Deyverson com ensinamentos sobre o matrimônio. Como um cancro que se espalha, os 10% da minha cabeça-animal, ocupadas inteiramente por Atlético, galopam sobre os 90% restantes, como se fosse o agro a capinar o lote. Alguém falou em queimadas? Botafogo. A seca dos rios? River Plate.

 

É preciso cuidado com essa fase da doença, capaz de situações embaraçosas. “A Terra é plana” – Eu Acredito! “Lá em Springfield os imigrantes estão comendo gatos e cachorros” – Eu Acredito! “Aposta, que você vai ficar milionário” – Eu Acredito!

 

“Você viu que Israel vai invadir o Líbano?”, perguntou um amigo. “Sim”, respondi, “mas para proteger a área o Lyanco me parece a melhor solução”. “Chega desse negócio de esquerda e direita”, disse o candidato – “Concordo, prefiro o Scarpa pela direita, mas ele também pode jogar pela esquerda”.

 

 

Na fase aguda da doença pode ser necessário acolher o atleticano em devaneio pelas ruas da cidade. É fácil identificá-lo. Para além da camisa do Galo em qualquer circunstância e sob qualquer clima, seja no velório ou no casamento, o sujeito infectado tem o olhar perdido no nada. No fundo de sua retina, olhe bem, está o Monumental de Nuñez. É contagioso. Renda-se. Não há o que fazer.

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