Arana (E) e Deyverson comemoram a classificação do Galo diante do River Plate para a final da Libertadores, contra o Botafogo, no Monumental de Núñez
 -  (crédito: JUAN MABROMATA / AFP)

Arana (E) e Deyverson comemoram a classificação do Galo diante do River Plate para a final da Libertadores, contra o Botafogo, no Monumental de Núñez

crédito: JUAN MABROMATA / AFP

O Galo está na final da Libertadores, e só consigo pensar nos meus velhos tempos de Mineirão. Ou quando eu era menino, e todos os meninos da rua do Ouro eram Galo. E então, em dia de jogo, saíamos pra rua com as nossas bandeiras. E jogávamos bola com o radinho no Willy Gonzer e o Reinaldo em nossos corações.

 

A gente achava que o Galo era o melhor time do mundo. E pensávamos como aquele menino que apareceu agora em um vídeo na internet, chorando sem parar e falando pra sua mãe: “O Galo é bom, torcer pro Galo é bom demais”. A gente não sabia o que era perder. O Galo era bom, e torcer pro Galo era bom demais.

 

 

À medida que crescemos, todas as ilusões foram ficando no caminho. A gente não ganhava. Ora roubados, ora incrivelmente azarados, sempre fodidos e mal pagos. A promessa do título, sempre adiada. A dor das derrotas agora se misturavam às dores do mundo, muito mais complexas quando a gente cresce.

 

E a gente cresceu. Como o Menino Maluquinho no final do livro do Ziraldo. E achou que nunca mais fosse ver o Galo campeão. Perdemos a fé. Se havia Deus, por que ele tinha feito isso com a gente? Na festa da arquibancada, resistimos. Como o samba proibido, a capoeira, o carnaval de rua. Éramos a Portela, que não ganhava mais, e já não nos importava ganhar.

 

 

Até que em 31 de maio de 2013 teve o pênalti do Tijuana no final do jogo. Mais do mesmo, coisas que só aconteciam com a gente. Lembrei da gente menino, a rua do Ouro, o velho Mineirão. Agora era eu que já tava velho, tanta gente que tinha morrido na fila de espera daquele título impossível.

 

O Pequetito, cruzeirense, lembrou então que sua irmã tava doente, e que não era o caso de desistir. “Peraí”, disse o narrador ao comentarista da rádio, já descrente, “o Victor pode pegar, ainda não acabou, não.” O Victor pegou. E, naquele momento, tava tudo posto. Naquela fração de segundo em que se perde um pênalti, a gente virava o jogo. Os meninos da rua do Ouro, meu tio que morreu, o Leandro, a irmã do Pequetito.

 

 

Dali pra frente, era como se Deus tivesse olhado pra gente. Como se toda luta tivesse valido a pena, como se toda vida pudesse ganhar da morte, como se todo merecimento pudesse ser reavido, e agora vivido na forma mais linda do amor.

 

Ganhamos a Libertadores, ganhamos a Recopa, ganhamos a Copa do Brasil, ganhamos o Brasileiro. Meu Deus, o Brasileiro. Aquele, sempre tirado da gente. Quando enfim vencemos, 50 anos depois, eu vi um torcedor falar assim: “Eu achei que fosse ver com meu pai, mas eu tô vendo com meu filho.” No jogo das faixas, as pessoas levaram seus mortos em fotos e cartazes. Uma menina chorando levantou sua cartolina: “Você ia amar ser bicampeão, tanto quanto ser avó. É nosso, meu pai!”.

 

 

Eu levei o menino da rua do Ouro, roubado pelo Flamengo, nosso adversário de amanhã na primeira partida da final da Copa do Brasil (merecimento pouco é bobagem!). Mas essa é uma história que vou deixar pra semana que vem, porque me comove agora a final de mais uma Libertadores.

 

Eu fico muito feliz que seja contra o Botafogo, porque há algo em comum entre o atleticano e o botafoguense, uma coisa que não ganha, um povo que resiste, uma camisa preta e branca, uma estrela solitária, um inimigo em comum, um Garrincha, um Reinaldo, uma coisa que só acontece com o Botafogo e o Atlético.

 

 

Eu fico feliz pelos botafoguenses da minha vida, meu cunhado, meu sobrinho, o Pará, o Pedro, o Luis Moraes, uma gente que tem algo em comum além do Botafogo e que reputo ser... o botafoguense. Desconheço um botafoguense filho da puta, um botafoguense folgado. O botafoguense é filósofo, artista, intelectual, pensador. Enquanto outros se acham, e ainda outros se têm certeza, o botafoguense se perde.

 

Por esses dias ouvi que o Botafogo é o “fundador do futebol brasileiro” e que se trata “do mais simpático dos clubes de futebol” etc. Na peleja da final, o Brasil já escolheu o Botafogo. Resta ao atleticano a consciência de que esse país muito raramente faz a melhor escolha, e em geral sai sempre perdendo.

 

Se o Brasil estará deitado em berço esplêndido, ou seja, no sofá, a nos secar no dia 30, este cronista terá dirigido seu automóvel até Buenos Aires, esforço que anulará todo e qualquer mau agouro. A Igreja Universal do Reino do Galo fará no Monumental sua missa mais grandiosa. O homem lá em cima, o sósia de Karl Marx, sabe o que o outro lado fez com a gente em 2007. Já perdoamos o Carlos Eugênio Simon, mas guardamos a duplicata para o acerto de contas. Chegou a hora.

 

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Sem ter onde cair morto, engenheiro tosco a reconstruir a vida, foi o Francisco que veio me salvar: “Pai, eu vou raspar toda aquela minha poupança, e vou te dar de presente a final da Libertadores.” Olhei pra ele, e ele era o menino da rua do Ouro (com uma poupança). Pensei naquele pai que achou que fosse ver com seu pai mas tava vendo com seu filho. Pensei o que a Fabi ia achar daquilo, se estivesse viva. “Pai, a gente merece.”


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Viva Reinaldo, Éder, Chicão, Palhinha e Osmar Guarnelli! A vingança é um tropeiro que se come frio.