Ave Atlético, cheio de graça, o Senhor é convosco, bendito sois vós entre o povão. Jogai por nós, os torcedores, agora e na hora da nossa morte. Amém. Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o Clube Atlético Mineiro, vem as duas copas, seja feita a nossa vontade assim na terra como no céu. O Flamengo que se foda, o Botafogo também, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Wright e do Aragão.


Achei por bem reforçar o contato com o homem lá de cima, visto que a senha pra falar com Deus sempre foi o 2 a 0 e não o 3 a 1. Tava crente que dava na mesma, mas um famoso advogado tributarista me explicou que, em sua área, trata-se de coisas bem distintas, no que deveríamos colocar as barbas de molho.


Argumentei que Deus não dá bola para questões tributárias, muito pelo contrário, e que, para Ele, o que importa é o espírito – o espírito da coisa, claramente encarnado naquele 2 a 0 travestido de 3 a 1. De modo que o gol de Allan Kardec, ainda mais com esse nome, prontamente estabeleceu a conexão entre o povo sofrido aqui embaixo e o resolvedor de problemas lá em cima.

 




Foi na Libertadores de 2013 que Ele, sentado em sua nuvem, se deu conta de ter esquecido no limbo toda aquela gente. “Quem é aquele pessoal ali embaixo?”, teria perguntado a um de seus assessores. “São os atleticanos, Senhor, estão presos nessa situação desde que o Telê pegou um taxi ao invés de cumprir a promessa de caminhar até Congonhas do Campo, quando eles foram campeões em 1971”.
O aspone fez então um longo relato sobre a bola de ferro amarrada no pé daquele pessoal. Falou do vice-campeão invicto de 1977 e a perseguição a Reinaldo. Contou sobre 1980 e 1981, Wright e Aragão. Falou sobre 1985, quando a bola entrou e o juiz não viu. A contusão do Marques e o pênalti de 99. A chuva em São Caetano, o rebaixamento, o pão que o Diabo amassou.


“Putz, não era pra tanto.” Naquele mesmo dia, vimos Riascos partir pra bola, e o Victor de bico isolar. Uma política de reparação foi adotada pelo governo lá em cima: dali em diante, o atleticano teria direito à cota – a cota de felicidade. Uma linha direta ficou combinada entre cotistas e o sósia de Karl Marx – precisando falar com Deus, bastava digitar o 2 a 0.

 


Perdemos do Newell’s de 2 a 0. No jogo de volta, Deus mandou desligar o disjuntor. No escuro, nasceu o grito de “Eu acredito”. Quando a luz voltou, aos 50 do segundo tempo, ganhamos o jogo e passamos nos pênaltis. Tomamos 2 a 0 do Olímpia e, no Mineirão, metemos dois e fomos campeões nos pênaltis. Deus fez a falta salvadora em El Tanque Ferreira.


Tomamos 2 a 0 no Itaquerão. Metemos 4 a 1 no Mineirão. Tomamos 2 a 0 no Maracanã. Tomamos 1 a 0 no Mineirão aos 30 minutos do primeiro tempo, naquele dia do “Flamengaço Classificadaço”. Mas, se Deus é por nós, quem será contra nós? Viramos o jogo e metemos o 4 a 1 eterno. A cota de felicidade não cabia no peito. E fomos campeões.

 


Tomamos 3 a 0 no Maracanã, que desgraça, o mesmo Flamengo de Wright e Aragão, agora encarnados no espírito de porco de Gabigol, cheio de marra, tão cheio de si, que é possível vê-lo sair de suas próprias orelhas. O cara que não se acha – o cara que se tem certeza.


Então, como um Guilherme que entrara no lugar do Tardelli e ninguém entendeu nada, eis que surge Alan Kardec, a essa altura tão artilheiro quanto pai do espiritismo, tão goleador quanto a minha avó. O homem-gol-desperdiçado, a esperança SQN, a luz no fim do túnel quando a locomotiva tá vindo em sentido contrário.


Mas você já sabe, não é milagre, é Atlético Mineiro. Santificado seja o Clube Atlético Mineiro! Um gol de Alan Kardec será sempre um gol espírita. Um golaço! Se tudo acontecer como acontecerá, esta terá sido, como será, a partícula de Deus, a centelha divina – aquela hora em que, sabe-se Deus como, a gente levou a copa.

 

 

Nunca que o Atlético vai ganhar uma final do Flamengo em um jogo comum. Para o tamanho do que a gente merece, é preciso que seja épico, que haja o milagre, que o improvável se apresente, que o ateu se converta, que a gente morra mas passe bem. E que Reinaldo seja chamado a levantar a taça. Porque a vingança, meu Rei, é um tropeiro que se come frio. Gaaaaaaloo!!! 

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