Hoje, meu amigo, você será campeão. Não importa se a glória alcançada, o cume desse Everest, seja um reles morro acima, o Campeonato Mineiro. O povo atleticano aprendeu na marra que não se trata de taças e medalhas. Trata-se do encontro da gente com a gente mesmo, na hora certa e no lugar certo. Trata-se do menino atleticano que habita cada um de nós e que tantas taças já ergueu, embora, paradoxalmente, tão raras e tão unicamente belas. 

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Hoje, amigo, é dia de celebrar o sentimento que não se explica, de sentir aquilo que nos dá sentido. Dia de lembrar meu tio torto em seu Opala, o Galo campeão, e ele com a cara pra fora da janela oferecendo passagem ao povo que se imiscuía por entre os carros na saída do Mineirão lotado: “Vai, pode ir, hoje é o seu dia! Vai, campeão!”. Aos 8 anos, aquele mar de gente me assustava, aquele povão feliz e de repente cordato, louco, a abraçar estranhos e celebrar a sorte de ter nascido atleticano.

Hoje é o nosso dia. Não tem Champions League capaz de rivalizar com aquilo que trazemos no peito. O Galo campeão é a nossa infância rediviva, a Belo Horizonte de onde mudei a contragosto, pra nunca mais voltar. Somos nós, os meninos da rua do Ouro, com nossas bandeiras a saudar os automóveis em dia de jogo – o radinho ligado no Willy Gonzer, a espera pelo gol de Rei.

O Galo campeão sou eu na Super Força Viva, embalado pela Charanga. As estranhas bandeiras da Galo Elite. A Galotaxi, a Galo Stones, a Galo Prates. Ah, Galo de ouro, a seleção do povo! A Dragões da FAO e seu dizer misterioso para um adolescente que não sabia nada da vida: “Filosofia máxima de um povo”. O Galo campeão, hoje que estou velho, tá explicado nos dizeres da Galosofia: “Galo, logo existo”. E está tudo posto.

Um dia como hoje me transporta diretamente para o Mineirão no último jogo oficial do Marques com a camisa do Galo, na final do Mineiro de 2010. Eu e a Fabi na arquibancada, o Marques no banco. Ele entrou e fez o gol do título. Então pegou a bandeirinha de escanteio, vocês sabem, e, sobre os ombros de seus companheiros, ergueu e tremulou aquele pequeno e inesquecível pavilhão, com a retribuir àquela gente que tanto havia lhe dado por tanto tempo. Chorei tanto, mas tanto, no mais estranho misto de tristeza e alegria, a despedida e o grito de campeão.

Eu tenho pena de verdade do sujeito que não é atleticano. Como na chamada do Globo Repórter, do que ele se alimenta? Do que alimenta sua alma? No tempo das vacas magras, quando o cruzeirense sentava à mesa e listava sua coleção de títulos, o atleticano costumava desmerecê-los com aquela máxima, “quem gosta de título é cartório”. O tempo passou, a vida deu um duplo twist carpado, o Galo ganhou, o Cruzeiro caiu. Mas essa frase... Ela carrega em si uma verdade inquestionável.

Nada do que se passará hoje, da hora que a gente acordar até a hora que for dormir, terá a ver propriamente com o título ou a taça. O que importa, senhores, é o que se ergue dentro da gente nessa hora crucial. Um orgulho do nosso povo, uma saudade dos que se foram, um lamento triste que ecoa junto com o grito de “é campeão, é campeão”.

Então virá aquela da Beth Carvalho, de arrepiar até o pelo dos nossos narizes. O segundo hino, a parte dois da Marselhesa. Chegou a hora, vais me pagar, pode chorar, pode chorar. Eu pensava que essa música se destinava ao escorraçar do adversário. Hoje eu canto pra vida: chegou a hora, vais me pagar. E choro eu mesmo, porque o choro é livre e nos pertence.

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Toda vez que o Galo é campeão, cumpre-se a utopia de um mundo mais justo. O pobre, o rico, o preto, o branco, o homem, a mulher – é no grito de campeão que todos os astros se alinham. É no grito de campeão que toda empatia se estabelece, natural e apaixonada: eu sei o que você sente, você sabe o que eu sinto. E tudo se irmana no amor que abraça, com seus braços gigantes, o anel do Mineirão.

“Vai, pode ir, hoje é o seu dia! Vai, campeão!”

 

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