Você pode até não saber quem é Martin Scorsese, mas não tem como não conhecer vários dos filmes que ele produziu e dirigiu.

Taxi Driver, Touro Indomável, Os Bons Companheiros, Cabo do Medo, Cassino e O Irlandês. A Última Tentação de Cristo, Gangues de Nova Iorque, O Aviador, O Lobo de Wall Street e, por último, Assassinos da Lua das Flores.

Participando de um debate recente, numa mesa redonda com outro diretores e críticos de cinema, Scorsese conclui um raciocínio com uma frase tão simples quanto verdadeira: "nem todo filme é cinema".

Ele tem toda razão: Nem todo filme é cinema, assim como nem toda escrita é literatura, nem toda lista é uma poesia, nem todo desenho é arte, e nem todo pensamento é inteligência.

O que separa um e outro, no cinema, são a história, a visão e a realização. Num plano ainda mais elevado, a grandiosidade, a genialidade e a capacidade de mexer com as pessoas, de fazê-las sentir, de levar a uma reflexão, de influenciar.



Precisa ser diferente, superior, elevado, bem realizado; precisa carregar uma intenção percebida e um objetivo claro, precisa emocionar.

Na arquitetura não é diferente, e vale a mesma regra: nem todo projeto é arquitetura.

Nem todo desenho é arquitetura; nem toda planta é arquitetura; nem toda perspectiva artística está retratando arquitetura (na maioria das vezes, retrata apenas - mais - um prédio sem graça).

Nem tudo o que é construído é arquitetura, nem toda reforma, retrofit ou adaptação é arquitetura. Para falar a verdade, muito poucos prédios e muito poucas casas merecem ser chamadas de arquitetura.

Para ser arquitetura precisa ter propósito, intenção, volumetria, harmonia; precisa ser desafiador, propositivo e memorável.

Se é arquitetura, é invenção virando emoção, engenharia se tornando um objeto do desejo, uma referência, um marco na cidade; do contrário, é só projeto, é papel virando tijolo, tijolo virando um produto qualquer, parecido com qualquer outro produto. Um produto qualquer, parecido com qualquer outro produto: um pesadelo para o marketing, para percepção de valor e, pior, para a venda.

Existem milhares de definições e entendimentos do que seja marketing. Para mim, a que mais se aproxima do meu entendimento é aquela onde "marketing é a arte de explorar, criar e entregar valor para satisfazer as necessidades do mercado por meio de produtos ou serviços que possam interessar aos consumidores. A finalidade do marketing é criar valor e chamar a atenção do cliente, gerando relacionamentos lucrativos para ambas as partes".

Vou resumir mais um pouco: ou você descobre o que o consumidor precisa, ou o que lhe desperta o desejo de consumir (por isso, o marketing político é tão perigoso: ele se propõe a apresentar o político de uma forma diferente do que realmente é, ou a convencer a sociedade da necessidade daquele político; duas inverdades, dois riscos, quando o certo seria, apenas, fazer divulgação do político como ele realmente é).

Peter Drucker, o guru da administração moderna, bibliografia obrigatória em qualquer curso de administração, negócios, empreendedorismo e publicidade, tinha uma ótima definição do que seja, para ele, o objetivo do marketing.

Ele não estava falando de publicidade, mas do produto, e de uma visão de “tornar supérfluo o esforço de venda”, seja através de produtos totalmente focados nas necessidades do consumidor, seja - ao contrário - da criação do desejo por um produto que o consumidor não estava procurando (mas ao qual não conseguirá resistir).

Ambos dão um trabalho danado; a diferença de um para o outro é que, se no primeiro caso as pesquisas de mercado, os grupos focais e as entrevistas em profundidade aumentam a precisão do alvo, no segundo caso importam mais os aspectos intangíveis e subjetivos.

Num empreendimento imobiliário, o desejo e a diferenciação podem ser perseguidas com o "parque de quermesse" (aquele conjunto de amenidades inúteis, sempre com nomes em inglês, e que catapultam as taxas de condomínio para o infinito, e além) e influenciadores nas redes sociais, mas o que sempre funcionou (e vai continuar funcionando) é o investimento na arquitetura "com A maiúsculo", a Arquitetura autoral, a arquitetura que é Arquitetura, não projeto.

Note que os - poucos - prédios cuja Arquitetura tem alma e tem propósito, onde a arquitetura foi feita "com A maiúsculo", nunca saem de moda e nunca deixam de ser referência (até mesmo quando, sentindo o peso do tempo, demandam um retrofit).

E, num empreendimento, nada custa menos (e gera mais valor) do que a arquitetura "com A maiúsculo".
The real deal, como diriam as pessoas inteligentes.

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