Quem lê sabe que as diferenças entre os Correios e a Amazon são duas: 60 anos e a mentalidade. Enquanto a Amazon simboliza o intelecto humano a serviço da excelência na logística, os Correios dão corpo a uma das principais frases criadas para justificar a preguiça e a mediocridade: “O ótimo é inimigo do bom”.
A mesma coisa acontece entre um sistema de transporte público e o transporte público a que estamos habituados, opondo as soluções recomendadas e consagradas mundo afora pelas opções mais comumente adotadas pelas administrações municipais (normalmente aquelas que “cabem” dentro do tempo da política).
É a opção pelas soluções de baixo impacto e pouca amplitude, em detrimento das definitivas, de longo alcance, fortemente recomendadas e amplamente testadas, dentre as quais a principal é, e sempre será, o metrô subterrâneo (pelo menos até que o teletransporte entre em atividade).
Dentre as cidades mais bem servidas, há tanto cidades com redes centenárias, quanto redes cuja construção começou neste século mesmo, a menos de 20 anos. As maiores são, segundo a UITP (Union Internationale des Transports Publics), em 2022:
• Xangai: 694 quilômetros, 1992.
• Pequim: 653 quilômetros, 1969.
• Seul: 527 quilômetros, 1974.
• Chengdu: 519 quilômetros.
• Guangzhou (ou Cantão): 506 quilômetros, 1997.
• Londres: 440 quilômetros, década de 1890.
• Shenzhen: 411 quilômetros.
• Nova Iorque: 410 quilômetros, 1904.
• Tóquio: 381 quilômetros.
• Moscou: 370 quilômetros, 1935.
• Nova Déli: 345 quilômetros, 2002.
• Chongqing: 343 quilômetros.
• Wuhan: 338 quilômetros, 2004.
• Hangzhou: 301 quilômetros.
• Madri: 293 quilômetros, 1919.
E aí chegamos ao Brasil e sua rede mais expressiva, a de São Paulo, iniciada em 1974 (30 anos antes de Xangai e Nova Déli), com frustrantes 104 quilômetros de trilhos (parte monotrilho) e apenas 91 estações.
Para efeito de comparação, a rede de metrô da capital do Chile, Santiago, tem a mesma idade, a mesma extensão em trilho e 50% mais estações, numa metrópole com uma população 60% menor que a de São Paulo.
Difícil se orgulhar, mas ainda tem como piorar bastante: fosse uma aula de ciências, precisaríamos de um microscópio para achar a rede de metrô de Belo Horizonte, com sua linha única, seus 28 quilômetros de trilhos e meras 19 estações. Enquanto os trens se movem como um pêndulo, a “rede” iniciada em 1986 permanece estacionada. Repetindo: 37 anos depois de iniciada a operação, continuamos onde estávamos no século passado, com uma única linha, 28 quilômetros de trilhos e, muitos anos depois, 19 estações.
Verdade seja dita, a nossa rede sequer poderia ser chamada de metrô, porque é uma linha de trem suburbano, sem 1 quilômetro subterrâneo sequer, o que nos leva a mais algumas perguntas importantes: como pôde haver recursos para todos os viadutos e passagens de nível, mas não para a rede subterrânea?
Como pôde haver recursos para tantas obras viárias de grande porte e para o BRT (um sistema de baixa capacidade sujeito ao trânsito e aos engarrafamentos), mas não para a ampliação da rede de metrô?
Para se ter uma ideia do quão desimportante e constrangedor é, tenha em mente que Belo Horizonte tinha, até a década de 1960, mais de 70 quilômetros de trilhos da rede de bondes elétricos, cobrindo uma quantidade de bairros muito superior ao que o metrô cobre atualmente.
Não me peçam explicação porque, obviamente, não há. Haverá sim, desculpas e muitas justificativas (“o ótimo é inimigo do bom”), encobrindo a falta de visão de longo prazo, a falta de compromisso com soluções definitivas e, certamente, a preferência já histórica por “soluções” rápidas e adaptadas ao tempo da política, aquele no qual é possível licitar, contratar, lançar a pedra fundamental e fazer uma cerimônia de inauguração antes de ser reeleito ou deixar a cadeira (muitas vezes numa “inauguração” parcial, inacabada).
Consigo me lembrar de metrópoles norte-americanas como Miami, Houston e Los Angeles que viraram as costas para qualquer sistema de transporte público, e são totalmente dependentes dos carros (uma excrescência).
Mas desconheço uma metrópole de importância global de qualquer país civilizado cujo transporte público não esteja estruturado, primordialmente, sobre uma rede de metrô subterrânea.
Mas, como disse, a mente permanece aberta e estou sempre pronto a aprender coisas novas e rever posições. Me convença do contrário.