Vista aérea do Aeroporto Carlos Prates -  (crédito: @estev4m)

Vista aérea do Aeroporto Carlos Prates

crédito: @estev4m

Todo prefeito, todo gestor municipal, todo urbanista, sabe que a coisa mais escassa numa cidade é o espaço, é a disponibilidade de áreas. Quase todo novo projeto, toda intervenção e qualquer plano de melhoria esbarra na falta de espaço.

Falta espaço para novas avenidas, para edifícios institucionais, para equipamentos urbanos e, mais difícil ainda, para praças, parques e áreas verdes.

O que, outrora, pertenceu ao Estado (ou ao Rei) já foi ocupado ou teve destino, e o que é privado custa, atualmente, caro demais para uma desapropriação na quantidade necessária.

Não é que o poder público não tenha pensado nisso, mas quando considerou (nos projetos urbanos), pensou num horizonte de tempo pequeno demais, muitas vezes mal antecipando necessidades de 20 anos à frente, um “suspiro” no tempo de uma cidade.

O maior feito urbanístico de Nova Iorque não são a sua rede de metrô ou os arranha-céus, mas o Central Park, uma área verde de 340 hectares (3,4 milhões de metros quadrados) praticamente intocada ao longo de um século, preservando mais de 90% de seu perímetro original.

Existem parques urbanos maiores, por certo, mas estão nas bordas das cidades, incorporando áreas de preservação e vegetação nativa, quase como um reserva natural ponteada com algum acesso e uso limitado.

O Central Park, ao contrário, fica bem no centro da ilha de Manhattan, ladeado por bairros, absoluta e totalmente inserido e amalgamado com o tecido urbano e a vida da cidade.

 

 

O esforço de criação e de preservação do perímetro parecem ainda mais impressionantes, quando lembramos que foi criado do zero, inventado, desenhado e modelado. As árvores e os lagos vieram pelas mãos da prefeitura de Nova Iorque para ocupar e dar vida a um terreno descampado e com pouca vegetação natural. A natureza criada por mãos humanas, não pela natureza.

Nunca faltaram, por certo, pressões políticas, econômicas e demandas “técnicas” para que o parque cedesse área e perímetro para outras construções, novas avenidas, outros usos, mas a prefeitura teve a coragem e a visão de futuro para - quase - nunca ceder (exceções para, basicamente, o Metropolitan, um restaurante e uma via que cruza o Parque no sentido transversal, dado o seu enorme comprimento) ao longo desses quase 170 anos.

Corta para Belo Horizonte, onde a visão de futuro dos responsáveis pelo “ambicioso” projeto urbanístico previram um Parque, na zona central, com 360 mil m² (ou 0,36 km²), cerca de 10 vezes menor do que o Central Park de Nova Iorque. Sim, 10 vezes menor.

O que já era modesto (até mesmo para a época, frente ao papel imaginado para a Cidade de Minas), se tornou meio ridículo quando, ao longo das primeiras décadas de existência da nova Capital, viu sua área ser diminuída à metade, para 180 mil m² (0,18 km²), e assim Belo Horizonte viu uma cidade se desenvolver com muitas árvores em suas ruas e avenidas, mas com um desprezo histórico por praças e áreas verdes, manifestada em todos os loteamentos do município que vieram após o projeto da nova Capital.

 

 

Antes das críticas, esclareço: áreas verdes em áreas de preservação ambiental, mesmo quando chamadas de parques, não cumprem o papel das praças e dos parques urbanos, porque localizam-se, normalmente, em áreas remotas, de difícil acesso, nas bordas e, normalmente, com topografia imprópria.

A nossa cidade pode até brilhar nos índices de áreas verdes que aparecem nos websites e exposições mundo afora, mas vai mal (muito mal) no quesito praças públicas e parques - realmente - urbanos. A nossa vivência com a natureza aparece melhor no papel, do que na vida real.

E é essa cidade que não dá muita bola para espaços de convivência, para os parques públicos e as praças nos bairros que vai perder, agora, uma oportunidade que poucas cidades têm nos tempos atuais: a disponibilidade de uma área de 500 mil m² (quase 3 vezes maior do que o Parque Municipal), o antigo aeroporto Carlos Prates.

Essa coluna, a Geleia Urbana, se iniciou com um texto sobre o fechamento do aeroporto Carlos Prates, e hoje volta ao tema, por causa das recentes notícias sobre a sua destinação que apelam mais para uma falta de visão sobre o futuro de Belo Horizonte, sobre as possibilidades de reequilibrar as centralidades, sobre criar áreas públicas e equipamentos urbanos de qualidade, sobre mobilidade urbana, do que uma disputa política.

Essa é uma oportunidade única, mas um debate centrado em interesses setoriais e a uma visão de curto prazo levarão, certamente, ao desperdício dessa oportunidade única. O resultado, a gente já conhece, e não convém insistir em erros assim.

Os bairros do entorno do antigo aeroporto foram ocupados com baixa densidade e, num gesto coordenado de aumento de potencial construtivo e liberação de altimetria pela Prefeitura e Câmara dos Vereadores, podem garantir uma capacidade de adensamento que não apenas supera em muito qualquer plano de uso da área para construção de moradias populares, quanto desonera o poder público de fazê-lo.

Ao mesmo tempo, um retorno da área para uso como aeroporto trava o aumento do adensamento e o desenvolvimento de todo aquele vetor, como uma cicatriz urbana. Não precisa muita investigação; basta analisar a densidade da região, o valor dos imóveis, a disponibilidade de infraestrutura e os problemas de mobilidade, que saltam aos olhos o potencial represado, e a 15 minutos do Centro.

 

 

O momento é perfeito, e a oportunidade bate à porta, mas os debates sobre o futuro da área, da região e da cidade vêm acontecendo a portas fechadas, ou tisnadas por visões ideológicas, e antagônicas.

A área precisa ser pensada no contexto da cidade, e não de um uso específico, ou como válvula de escape para moradias populares, coisa que o setor privado faz com mais agilidade, menor custo e assumindo todo o risco.

O momento é de debate, de exame das possibilidades e, mais importante, de olhar para o futuro de Belo Horizonte. Não percamos mais tempo.