As Constituições mais antigas do planeta são a do Reino Unido (1215), a de San Marino (1600), a norte-americana (1789), a polonesa (1791), a norueguesa (1814) e a holandesa (1815), mas a mais antiga ainda em vigor é a Constituição norte-americana.
A razão da longevidade da Constituição norte-americana está na forma como foi concebida pois, ao invés de concentrar-se no rol de direitos e deveres dos cidadãos (direitos "garantidos" na Constituição mas raramente entregues à população), concentra-se nos direitos e deveres do Estado, limitando o alcance e o poder que o governo pode exercer sobre o cidadão e sobre a sociedade. A Constituição norte-americana não vem para garantir direitos utópicos e distantes, os sonhos e aspirações juvenis, mas para limitar o alcance e o mal que o Estado pode fazer aos seus cidadãos.
Não por acaso, a França já está em sua décima-quinta Constituição, e o Brasil na sétima (precisando urgentemente, aliás, caminhar para a oitava, uma que seja mais realista e menos paternalista).
Até aí é de conhecimento geral, mas o que poucos talvez saibam é que, mesmo enxuta, sucinta, a Constituição norte-americana já teve - pelo menos - uma Emenda revogada.
A décima-oitava Emenda veio em 1919, instituindo a Lei Seca (Prohibition), que era a proibição de produzir, transportar e vender bebidas alcóolicas, exceto se "para fins medicinais" (risos). Revogada em 1933, foi substituída pela vigésima-primeira Emenda.
A Lei Seca veio de uma crença em que a pobreza impulsionava o consumo de álcool e este, por sua vez, estimulava a violência. Como diagnósticos falhos e simplistas geram respostas erradas e igualmente simplistas, álcool e violência podem até ter alguma tangência, mas não bastam como relação causal, e a proibição do primeiro não resolve o segundo.
Atiraram no que supunham ver, e não acertaram em nada, mas criaram as condições ideais para o fortalecimento da criminalidade e o florescimento de um novo ramo de negócios no mundo do crime: a fabricação, o transporte e a venda de álcool. Negócios antes legítimos (fabricantes, distribuidores e lojas de bebidas, bares e restaurantes) passaram à ilegalidade da noite para o dia, e a depender de associar-se aos criminosos.
O consumo, óbvio, não apenas não diminui, como aumentou, assim como aumentaram enormemente o custo de bebida, a corrupção política, a corrupção nas forças policiais e o poder dos criminosos, então organizados, estruturados, e dominando a importação (e os portos e seus sindicatos), a logística em nível nacional (e os sindicatos de transporte), os hotéis, restaurantes e bares, e todos os empregos associados.
A Máfia, até então pouco organizada, com alcance e poder econômico limitados, ganhou estímulo, corpo, influência e capacidade financeira para eleger os vereadores, prefeitos, deputados e senadores.
A população, que se pensava proteger, ao final, consumia os salários com um produto tão disponível quanto antes da Lei Seca, mas por isso tudo 20 vezes mais caro. Negócios legítimos, pequenos e grandes, já não podiam operar sem a "proteção" (ou a parceria) dos criminosos e políticos corruptos.
- Cidades brasileiras: um eterno Lado B
O paralelo é inevitável, e o que vemos hoje é quase uma Lei Seca em vigor nas nossas cidades.
As cidades brasileiras, em geral (e Belo Horizonte especificamente), tem uma "taxa de informalidade" da ordem de 85%, ou seja, a cada 10 imóveis construídos, menos de 2 tiveram projetos certinhos, uma obra conduzida por um profissional habilitado, e se submeteram ao regramento existente. Obras ao arrepio da lei, e sem qualquer segurança.
As Câmaras de Vereadores criam regras e as Prefeituras fiscalizam, cobram taxas e aplicam multas em, portanto, pouco mais de um imóvel a cada 10 construídos na cidade.
É um cipoal de leis, decretos, regras e "entendimentos" informais por parte dos técnicos que habitam o poder público que, se ainda não chegou ao cúmulo de proibir a construção formal de empreendimentos imobiliários, já vem tendo enorme sucesso em complicar tudo, ao ponto de desestimular, encarecer e empurrar os empreendedores para os municípios vizinhos, onde o conjunto de regras é, muitas vezes, mais objetivo, sucinto, mais claro e menos sujeito a interpretações e preferências dos departamentos técnicos.
São códigos eventualmente mais inteligentes e com poder de produzir uma cidade mais saudável, com melhor uso dos terrenos, mais propensos ao adensamento, menos restritivos nos usos, nos afastamentos frontais e de fundos.
Estamos à beira de um "prohibition" urbano, enquanto os nossos Plano Diretores continuam se inspirando em Brasília e nas teses falidas sobre as cidades "ideais", promovendo o desadensamento e o espalhamento (para logo depois investir em obras viárias horrendas e sem futuro, ônibus ao invés de metrô e VLT).
E, quando a regra é ruim, o foco deixa de ser criar o melhor prédio, e passa a estar na superação dos obstáculos legais. Toda a energia e recursos voltam-se para as regras e suas brechas legais, premiando os piores empreendedores e os Arquitetos menos criativos (os mais "especialistas" em legislação). A Arquitetura sai da sala e os projetistas assumem (porque Arquitetura é uma coisa, e projeto focado no atendimento desse cipoal de regras é outro totalmente diferente).
Não tinha como dar certo, claro, e basta colocar a cabeça para fora da janela para constatar o quão feia está Belo Horizonte, numa sucessão de prédios bobocas e pouco inspirados (mesmo se revestidos em granito, porcelanato e vidro).
Entramos num modo de pensar e agir, encurralados pela legislação urbanística, onde o que é bom e o que é belo são descartados em favor do que consegue atender às regras, regras erradas, ruins.
Mas não precisa inventar a roda nem chamar os universitários: basta buscar o conhecimento (e o que está acontecendo) em Paris, Amsterdã, Londres, Madri, Berlim e qualquer outra cidade europeia que nunca abriu mão da densidade, do uso misto, do metrô e de aproveitar o lotes por completo, sem afastamentos. Basta prestar atenção na beleza dos prédios que surgem nessas cidades, libertos desse excesso de regras, e de regras ruins.
Beleza não combina com burocracia, e o Brasil não pode ser uma eterna tomada de 3 pinos, achando que vai reinventar a roda ou melhorar o clips.
Não vai.