Belo Horizonte recebeu, poucas semanas atrás, um evento sobre Regeneração Urbana promovido pela AsBEA MG, a Associação dos Escritórios de Arquitetura, seção Minas Gerais.
Para quem não conhece, AsBEA é a entidade que congrega os maiores e mais influentes escritórios do país, já com 50 anos de existência.
O evento trouxe gente pensante de São Paulo e Rio Grande do Sul. Não é que não tenhamos gente pensante nas Minas Gerais (porque sim, temos, e temos muitos), mas a questão da regeneração anda mais e melhor por lá.
São projetos privados e públicos; são projetos público-privados, empreendimentos comerciais e concessões, coisas raras nas cidades mineiras nas últimas décadas.
Adriana Levisky e Miriam Addor falaram da Cidade Matarazzo em São Paulo, um empreendimento impressionante que para ser aprovado, conseguiu a proeza de alterar a legislação sobre tombamento municipal, e ainda obteve a aprovação num prazo de 3 anos.
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Ganhou o empreendedor mas, sobretudo, ganharam a cidade e os paulistanos, que trocaram edifícios tombados fechados e em estado de penúria e um quarteirão assolado pela insegurança num dos mais belos exemplos de vitalidade urbana e beleza.
O "lado errado" da Avenida Paulista, após a inauguração deste empreendimento, se tornou o "lado certo" e valorizou quarteirões e quarteirões. Ganharam o patrimônio, a cultura, a cidade e os paulistanos (e tudo às custas de investimento privado).
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Falou, também, Giovana Ulian, uma especialista de larga experiência quando o assunto é regeneração urbana, em qualquer escala. Giovana mostrou um trabalho em desenvolvimento, veja só, para um setor da região portuária de Porto Alegre.
Trabalho impecável e predestinado a regenerar aquele setor, não fosse a tragédia atual que transformou uma das melhores capitais brasileiras num território arrasado, cujo desfecho é, até este momento, imprevisível e inimaginável.
Uma tristeza ainda maior ao lembrar das imagens de sua apresentação onde, à despeito do abandono e do desinteresse geral pela área, mesmo com enorme vacância, o que se via eram quarteirões praticamente abandonados e… ruas limpas, passeios mais ou menos inteiros, meios-fios, e limpeza, sem lixo acumulado, quase sem a presença de mato na área pública.
Todo mundo reparou, claro. Um setor abandonado, vazio, com pouquíssimo uso, e ainda assim limpo, transitável.
E, como se a atual tragédia não pudesse ter ainda mais impacto, me vejo pensando que um dos melhores exemplos em terras tupiniquins, a cidade que poderia nos servir de inspiração, vive um momento de agonia.
Pior, Porto Alegre estava em meio a um intenso debate para revisão de seu Plano Diretor, num caminho incrível, olhando para adensamento, transporte urbano, áreas de lazer, infraestrutura e muita regeneração de setores degradados ou subutilizados, enfim, todos aqueles aspectos que já me fizeram escrever 36 textos aqui, e outros 30 para o Caos Planejado .
O sentimento é de um escultor que perdeu sua musa, sequestrada por invasores bárbaros, que cruzaram uma fronteira num evidente ato de agressão e se recusam a devolvê-la, alheios à qualquer súplica do artista e da comunidade. Devolver a musa, dizem, somente após 7 ou 8 meses, e a um preço altíssimo, como se a população já não sofresse o suficiente e não pagasse um preço já exorbitante.
Difícil saber se a musa poderá ser novamente uma inspiração para o artista e a população, mas uma coisa é certa: independentemente das condições em que seja devolvida do cárcere, a sua história há de inspirar gerações.
Afinal, não é a cidade que faz as pessoas, mas as pessoas que fazem a cidade.
Trocando em miúdos, as pessoas que já criaram uma bela cidade serão capazes de regenerar a musa sequestrada, e tornar a sua musa uma fonte de inspiração ainda maior.
Já os que não sabem fazer uma cidade…