Há quem não saiba, mas a Serra do Curral, maior cartão-postal de Belo Horizonte, tem um outro significado para o município de Nova Lima.
Na verdade, tem dois: uma montanha de dinheiro entregue à prefeitura em royalties minerários e uma devastação ambiental, traduzida na ausência da Serra do Curral pelo lado sul, a Mina de Águas Claras.
Deste lado, o que resta - após décadas de exploração - é apenas uma fina casca, um arremedo de natureza seviciada. O dinheiro dos royalties parece ter evaporado antes de poder impactar positivamente o município, dada a quantidade de favelas e a ausência de infraestrutura perceptível. Já o legado da mineração parece ser, além de barragens que são verdadeiras bombas-relógio, uma cratera com 400 metros de profundidade.
Não me entendam mal. A atividade mineradora, quando bem conduzida, é fator de
desenvolvimento regional, geração de riquezas, de emprego e de renda, e grande pagadora de impostos. Para além das minhas preferências, o Estado de Minas Gerais não pode – e nem deve – prosperar sem a atividade mineradora. Basta fazer direito, e não abandonar, nem enrolar.
No mundo moderno, civilizado, a licença para começar só vem depois de apresentados os planos de descomissionamento para dali a 40, 50, 100 anos, modernos, e sem pilhas de rejeito ou barragens como as de Brumadinho, transformando em parques, renaturalizando ou permitindo urbanizar. Abandonar plantando árvores e fazendo propaganda não são procedimentos bem vistos – ou aceitos – no primeiro mundo. Cercar e manter sem uso após mais de 15 anos de encerramento das atividades também é estranho, e mais parece uma forma de não recuperar, mas não prestar contas.
E, dentre esse "acervo" abandonado, sem uso, está a antiga faixa de domínio onde antes houve uma linha de trens para escoamento do minério, conectando a Mina de Águas Claras ao terminal no bairro Olhos D'Água. São mais ou menos 8 km de extensão, com seções variadas, mas que chegam a 90 metros em alguns trechos.
O trecho compreendido entre a BR-356 e a portaria da Mina de Águas Claras tem, segundo um dos inúmeros ciclistas que frequentam o lugar, 2,5 km de extensão e 2 viadutos (além do que cruza a BR-356). A despeito de trechos mal cuidados e das poucas invasões existentes (que podem ser muitas, a julgar pelo resto de Belo Horizonte), o trecho é belíssimo, um verdadeiro tesouro escondido, um oásis em meio ao mar de prédios horríveis e mal cuidados (em especial os do lado sul, na Alameda Oscar Niemeyer).
Estando lá, é inevitável fazer uma conexão com o High Line, o parque de Nova York criado a partir de viadutos feitos para linhas de trem, e abandonados.
Entre a segunda metade do século 19 e os anos 1920, os trens chegavam em nível na região de Chelsea, um polo industrial da cidade, competindo com os carros e pedestres até a cidade de Nova York. Por evidente incompatibilidade, uma rede de viadutos foi construída e a linha de trem suspensa. Na década de 1970, as indústrias locais se mudam e os trens de carga são proibidos nessa configuração.
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A deterioração urbana vem forte com o vácuo, e a região - então chamada de Meatpacking District, ou Distrito de Empacotamento de Carne -, enfrenta décadas de pouco prestígio e falta de identidade, até que em 2004 a antiga proprietária transfere a rede de viadutos à prefeitura, e essa promove um Concurso de Arquitetura (alguém conhece isso no Brasil?).
A ideia não era complexa, e transborda bom senso e lógica: "será que, se transformamos a rede de viadutos abandonada num parque incrível, totalmente inédito, e atrairmos a atenção e o interesse da população e do mercado como um todo, não conseguimos plantar as sementes da regeneração urbana?" "Será que, com esse parque e o investimento público, não conseguimos forjar um senso de comunidade e vitalidade para a região?"
Funcionou e, 15 anos depois e 3 fases implantadas (sim, fases, porque é melhor fazer um trecho muito bem-feito e depois fazer outro, do que pretender fazer tudo e diluir os investimentos num projeto pobre), são 8 milhões de visitantes anuais ao High Line e o distrito com maior vitalidade e com a maior regeneração de Nova York. Um sucesso de público, crítica e, porque não, um dos principais destinos turísticos do planeta.
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Nem precisava dizer que o grande plano só continua dando certo porque a legislação incentiva o adensamento e usos diversos tanto na região, quanto nos prédios, já que o parque atrai e gera vínculo, mas o resto da vida acontece nos apartamentos, escritórios, lojas, restaurantes, cafés e livrarias do bairro.
Nova York cidade famosa por seus engarrafamentos, poderia, claro, ter optado por recuperar e converter a rede de viadutos numa avenida suspensa com várias pistas. Poderia, também, ter vendido trechos para a construção de residências ou lojas, mas não. A cidade percebeu o potencial e as ondas de prosperidade e regeneração urbana, e fez a escolha certa.
Temos hoje a chance de escrever um capítulo de nossa história para os próximos 50 anos, pressionando as autoridades pela criação da nossa versão do High Line. O lugar existe, e a natureza contribui para aliviar o custo das intervenções necessárias. Já existe até um movimento, pelo sonho e pela visão de um conjunto de cidadãos de Belo Horizonte, e o nome: Parque Linear Ecológico de Belo Horizonte, e perfil no Instagram (@parquelinearbh), com mais de 11 mil apoiadores.
O que não temos, diferentemente de Nova York, é a visão do executivo municipal (a bem da verdade de ambos executivos municipais, o de BH e o de Nova Lima) para a criação de um parque. Temos, ao contrário, uma preferência pela implantação de uma via urbana de alta capacidade para melhoria do trânsito entre BH e Nova Lima.
Nova Lima apoiar a via é fácil de entender, mesmo mal tendo parques usáveis e área de lazer a oferecer aos seus cidadãos: a comunicação com BH é precária, para não dizer vergonhosa (MG-030), e nem mesmo a exuberância econômica do município, manifestada pelos royalties da mineração e pela renda dos moradores de seus condomínios, consegue esconder a sua precariedade urbana.
Mas a situação de BHtr é outra.
Belo Horizonte é uma cidade que vem empobrecendo ano a ano, exportando moradores, renda, empregos, riqueza, negócios, sedes de empresa, hospitais e universidades para outros municípios da Região Metropolitana, sobretudo para Nova Lima.
E, neste contexto, que interesse teria o município de Belo Horizonte e seus cidadãos em trocar um parque por asfalto que facilite ainda mais esse êxodo?
Se você pretende votar para prefeito em Belo Horizonte, pergunte ao seu candidato a opinião dele sobre trocar área verde por asfalto, e sobre investir em infraestrutura que, ao final, só fará ajudar o êxodo de BH em direção a outros municípios.
Ah, e siga o perfil do Parque Linear, ajude a espalhar a notícia e, mais importante, vá passear, a pé ou de bicicleta; leve a família para conhecer. Vale a pena.