Vista de São Paulo -  (crédito: Pixabay/Divulgação)

Vista de São Paulo

crédito: Pixabay/Divulgação

Estive por uns dias em São Paulo, e tenho uma péssima notícia: a Avenida República do Líbano e a sua continuação, a Avenida Indianápolis, em Moema, se tornarão locais muito perigosos, não apesar dos novos empreendimentos residenciais, enormes e magníficos, mas exatamente por causa deles.

 

São as antigas residências que, após terem sido utilizadas como comércio, serviços e escritórios nos últimos 20 ou 30 anos, vão sendo demolidas uma a uma (ou 10 de cada vez), formando terrenos enormes, com 2 mil, 3 mil e, eventualmente, 5 mil metros quadrados ou mais.

 

 
O nosso leitor não precisa conhecer as Avenidas República do Líbano e Indianápolis, nem o bairro de Moema, mas precisa entender a razão da minha previsão, até porque o fenômeno é nacional e, atualmente, afeta todas as grandes cidades, as metrópoles e as capitais brasileiras.

 

 

A legislação urbanística tem, por alguma razão que a própria razão e a lógica desconhecem, uma predileção declarada por terrenos mal e pouco ocupados, romanticamente supondo que jardins, estacionamentos, quadras de beach tênis, quiosques de churrasco e áreas gourmet tornam a cidade uma cidade-jardim, ou mais humana, ou mais agradável.

 

Confundem, por óbvio, jardins privativos e intramuros por áreas verdes e praças públicas.

 

Uma dissonância dessa magnitude não deveria precisar ser explicada, mas por alguma razão que a própria razão e a lógica desconhecem, não apenas precisa, quanto explicação alguma tem sido capaz de demover os legisladores dessa visão equivocada, ilógica, romântica e anticientífica.

 

 

Podemos dizer que são, para usar uma expressão horrível (mas na moda), “negacionistas da cidade para as pessoas”.

 

Sim, negacionistas, e equivocados, ao permitirem trocar densidade de moradores, fachadas ativas (comércio e serviço nos pavimentos térreos, abertos para os passeios), prédios próximos uns dos outros e ausência de muros, por torres afastadas entre si, e apartadas da rua por muros e barreiras. Pior, com os pavimentos térreo cegos e isolados dos passeios em “perímetros de segurança” vigiados (segurança privada).

 

O pedestre, claro, estará entregue à própria sorte, mas a vida dos abastados moradores não fica muito melhor, sempre expostos em passeios desertos, sem “olhos”, sem pedestres e sem vida. Só mesmo com muita segurança privada, muita neurose, muito medo e muita sorte.

 

O Belvedere e muitos outros bairros de Belo Horizonte padecem do mesmo defeito conceitual, do mesmo “pecado original”, e não por acaso, do mesmo risco e da mesma insegurança.

 

São as pessoas presas do lado de dentro, vivendo cada dia menos os seus bairros e, talvez por essa mesma razão, dotando os condomínios das amenidades que fazem de cada condomínio uma pequena bolha homogênea, controlada. Eu chamo a isso “feira de quermesse” ("é jeca, mas é minha”, dirão os orgulhosos moradores).

 

 

E, enquanto estudos alarmantes tratam da falta de solidariedade que assola as sociedades, da ausência de empatia, da desintegração social, da dificuldade de interação e da perda das habilidades pessoais e sociais das crianças e adolescentes, eu fico me perguntando o óbvio:

 

“Como poderia ser diferente quando as pessoas escolheram morar isoladas uma das outras, isoladas de qualquer coisa - e pessoa - diferente?”


“Como poderia ser de outra forma, se o maior argumento de venda dos apartamentos e dos condomínios é, exatamente, o medo da rua e das pessoas, e um incentivo ao isolamento?”

 

”Como continuar apostando num modelo de cidade que só afasta as pessoas, que estimula bolhas, que faz do medo o argumento de marketing?”

 

Vivemos a cultura do isolamento e do medo e, por alguma razão que a própria razão e a lógica desconhecem, os legisladores, os incorporadores e as próprias pessoas estão “dobrando a aposta” nesse modelo.


A sociedade escolheu ser dirigida pelo medo, e por sentimentos negativos, não por aspectos positivos. Quando essa mensagem se torna dominante, torna-se a cultura do lugar, e aí a cidade e o entorno já não importam. Importa apenas o grau de conforto e segurança de cada um dentro de sua bolha protegida.

 

Termino com uma última pergunta: “tem como dar certo?”