Prefeitos são os síndicos da cidade, e basta ser organizado e metódico, que dá certo”. Sim ou não? Já achei que sim, mas há muito que tenho certeza que não.

 

Lá atrás, achava que sim, porque a prefeitura é a única instância "real" na administração pública, onde o cidadão, o indivíduo, não é uma abstração, um "conjunto", uma "classe" ou um "público".

 

Na esfera municipal, cada indivíduo tem endereço e telefone, necessidades específicas de transporte que demandam sistemas de transporte; cada indivíduo adoece e demanda hospital, estuda e demanda escola. O município tem como endereçar as demandas e necessidades de cada um, individualmente. Aqui, o pior que pode acontecer são políticas muito genéricas e abstratas.

 



 

Se um síndico administra o que já existe e faz, isso é, essencialmente, zeladoria. Já uma prefeitura precisa administrar um mundo em constante mudança, e que precisa melhorar constantemente apenas para não se tornar obsoleto (e continuar a prover o que já provia antes).

 

Essa é a explicação do porque, atualmente, acho que um bom síndico não faz um bom prefeito, ao contrário, faz um mal prefeito, porém organizadinho. Uma prefeitura precisa, muito mais do que administrar com competência, ter direção, visão de futuro, um plano estratégico e capacidade de realização. É fazer mas, antes, saber o que precisa ser feito.

 

E aí começam os problemas com Belo Horizonte: o que fazer, como fazer e quando fazer? (ou, em nosso dialeto, "oncotô, proncovô e comovô")

 

Mais uma corrida eleitoral se inicia, e os debates mais “profundos” da atualidade são “a ciclovia que comeu uma faixa na Avenida Afonso Pena”, ou “as árvores que foram cortadas no Mineirão para a stockcar”, ou se os anúncios de revitalização do Centro são apenas zeladoria turbinada com marketing, ou um programa sério e duradouro.

 

O barulho em torno de temas como esses reforça, antes de mais nada, uma visão pequena de nossa parte, cidadãos, e a ausência de uma visão de futuro, um plano estratégico e realmente denso, de longo prazo, estruturante e com a potência necessária para tornar Belo Horizonte o que ela foi uma vez: uma cidade que foi sede de grandes grupos empresariais, uma cidade que já foi referência para negócios, uma cidade onde o turismo de negócios já teve alguma relevância, um centro de formação e excelência tecnológica (e um polo de criação de startups), uma cidade bonita e agradável, um local seguro, enfim, uma cidade realmente relevante em todas as áreas.

 

Nos próximos três meses, falaremos sobre política e sobre o(a) próximo(a) prefeito(a), mas a julgar pelas últimas campanhas eleitorais, será muito personalismo, muito ataque aos outros candidatos, muita “denúncia”, propostas abstratas e populistas, mas pouco programa de verdade, pouca visão, nenhuma estratégia, e poucos, muito poucos detalhes e informações.

 

 

E, para não dizer que não avisei antes, vai aqui o meu guia particular para escolha de um candidato que mereça o meu voto:

  • Integração municipal, planos de mobilidade regional? Perdeu meu voto (sou cidadão de Belo Horizonte, e meu único interesse está na melhoria e enriquecimento da cidade);
  • Incremento da malha de ônibus, aumento do asfalto, viadutos, trincheiras? Perdeu meu voto (sou cidadão de Belo Horizonte, e quero um urbanismo moderno);
  • Desperdiçar a área do aeroporto Carlos Prates? Perdeu meu voto (sou cidadão de Belo Horizonte, e quero ver o poder público incentivando mais áreas verdes usáveis para população);
  • Ambiente de negócios difícil, excesso de regulamentação? Perdeu meu voto (sou cidadão de Belo Horizonte, e não aguento mais morar numa cidade cujo ambiente regulatório é de negócios é, no final do dia, contra os negócios);
  • Facilitando o êxodo de moradores de BH para outros municípios? Perdeu meu voto (sou cidadão de Belo Horizonte, e quero todo mundo aqui, juntinho e pertinho, com alta densidade);
  • Facilitando a transferência de negócios e sedes de empresa para outros municípios? Perdeu meu voto (sou cidadão de Belo Horizonte e não tenho o menor interesse em perder renda e faturamento para outros municípios);
  • Acha o metrô e o VLT muito caro, e difícil de implantar? Acha ônibus bacana? Acha o BRT uma grande invenção? Perdeu meu voto (não quero morar numa cidade que celebra soluções pequenas e ignora fatos);
  • Acha que ciclovias não são importantes, e não precisam estar em toda a cidade? Perdeu meu voto (a bicicleta, junto com a densidade, é um dos modais que mais ganha importância no mundo civilizado);
  • Acha que atualizar a nossa - horrível - legislação urbanística não é urgente? Que não precisa eliminar os recuos e aumentar os coeficientes dos lotes? Perdeu meu voto (densidade e bom uso dos terrenos é o único fator, exceto a redução dos impostos, capaz de baratear o custo de se construir apartamentos).

 

Pois é, uma prefeitura não pode ser apenas um trampolim político para o governo do estado ou para um outro cargo. Os prefeitos (e suas equipes técnicas) não devem ser políticos profissionais, mas pessoas com visão grande, capacidade, formação técnica (arquitetura, urbanismo, administração) e, talvez o mais importante (e, paradoxalmente, coisa rara de ver), gostar muito de cidades.

 

Gostar de cidades não é a mesma coisa que gostar de imóveis, ou valorizar praças, ou gostar de administrar. Gostar de cidades é compreender, de forma apaixonada, esse organismo vivo no qual vivem mais de 80% dos brasileiros, e que a qualidade e a infraestrutura desse organismo vivo são determinantes na qualidade de vida dessas pessoas, tanto quanto na riqueza e no nível de desenvolvimento social dessa população.

 

Nada é tão importante no serviço público quanto dirigir uma cidade. Nenhum cargo eletivo pode ser mais importante do que uma prefeitura (não obstante o poder, a notoriedade e as facilidades dos demais).

 

Não basta escolher o “menos pior” ou o mais simpático. Ou escolhemos o correto para o cargo, aquele que realmente gosta de cidades, ou é melhor nem sair para votar.

 

É o que farei em outubro.

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