Conjunto habitacional em Ribeirão Preto (SP) -  (crédito: wikimedia commons)

Conjunto habitacional em Ribeirão Preto (SP)

crédito: wikimedia commons

O ser humano é, no máximo, a expressão daquilo que aprende.

 

Aprender não significa aprendizado formal, apenas, mas o conjunto formado pela intuição, observação e aprendizado formal. Um ambiente que estimula a curiosidade e a exploração da criatividade tem importância.

 

E tem muito, porque o aprendizado formal, sem estímulo e sem desejo, é como a leitura cansada de uma enciclopédia, ou uma visita guiada a uma biblioteca. A curiosidade e o espírito exploratório, por outro lado, transformam uma biblioteca num parque de diversões e a internet dos celulares e computadores num portal para o universo, tudo ali na palma das mãos, ao alcance dos dedos que digitam.

 

As casas populares não são ruins porque "não há dinheiro". Elas são ruins porque faltaram conhecimento, informações, inspiração e curiosidade (até porque houve dinheiro para construir aquilo que lá está).

 

Os conjuntos habitacionais não são terríveis porque "precisam custar pouco". São terríveis porque faltaram conhecimento, informações, inspiração e curiosidade (até porque houve dinheiro para construir aquilo que lá está).

 

 

A quase totalidade dos prédios das nossas cidades, em especial após a década de 1980, não são horrorosos e absolutamente sem graça, datados, jecas, porque "o bacana custa mais caro". São horrorosos e absolutamente sem graça, datados e jecas porque faltaram conhecimento, informações, inspiração e curiosidade (até porque houve dinheiro para construir aquilo que lá está e, francamente, que é estúpido a ponto de achar que o mais bonito seja, necessariamente, mais caro?).

 

Para melhorar aquilo que surge pela autoconstrução é fácil: bastava o CAU (Conselho dos Arquitetos e Urbanistas) usar um pouquinho dos recursos públicos e privados (pagos pelos Arquitetos e Urbanistas) recebidos e promover concursos públicos de ideias para casas populares e conjuntos habitacionais, bem fundamentados, lastreados nos custos e construtibilidade, quem sabe até regionalizados para uso das tecnologias e sistemas construtivos consagrados em cada local.

 

 

Tem a institucionalidade, tem recursos, tem a vocação e tem obrigação estatutária de disseminar conhecimento e participar no esforço de redução do déficit habitacional brasileiro.

 

Mas não faz.

 

Fala de habitação de interesse social, fala de autoconstrução, fala de ATHIS. Fala, fala e fala. Promove "seminários", "encontros" e "fóruns". Tem gente viajando de um lado para o outro todo santo dia, falando, falando e falando. Passagens aéreas, hotéis, diárias pagas aos "viajantes", contratação de estrutura para os "seminários", "encontros" e "fóruns".

 

 

Mas concursos de ideias (de ideias consistentes), e um acervo de projetos (projetos completos, com Arquitetura, Estrutura e Instalações, Caderno de Especificações e Orçamento) disponíveis para uso amplo e irrestrito por quem queira, isso não tem.

 

O Chile tem, a Inglaterra tem e um monte de outros países tem, uns pelo governo federal, outros pelas associações de Arquitetos, outros por entidades independentes do terceiro setor, não importa. O que importa é que tem, e que as pessoas mais necessitadas e menos preparadas podem se valer de bons projetos, tecnicamente corretos e completos, para construir em mutirão, via associação ou da forma que bem entender.

 

E aí até mesmo a autoconstrução e as casas mais simples tem qualidade construtiva, espacial e estética, tornando as cidades (e até mesmo suas ocupações "subnormais") melhores. Permite, ainda, que qualquer incorporadora focada em habitação social possa recorrer e fazer uso de um acervo e uma diversidade de projetos de qualidade. No limite, piores do que os projetos atuais, não tem como ser.

 

 

Sim, a Caixa Econômica Federal e órgãos da administração pública teriam que avaliar os projetos e validar, mas essa é uma das razões pela qual existem e possuem corpo técnico, certo?

 

Comecei falando de aprendizado e, hoje, pelo estado atual das nossas cidades e pela feiura e falta de criatividade que dominam a paisagem, não há dúvida de que a qualidade do aprendizado formal é apenas um dos nossos problemas, enquanto nação.

 

Falta estímulo à curiosidade e à exploração da criatividade no ambiente educacional, mas também dentro das casas, no seio das famílias, nas instituições como o CAU, Caixa e órgãos da administração pública envolvidos na produção de habitação social e na formulação da legislação urbanística, incluídos aí as câmaras de vereadores e Congresso.

 

Estamos ensinando, errônea e maldosamente, que apenas o que brilha tem qualidade. Somos, novamente, os índios trocando terra por espelhos e cacos de vidro.

 

Nos acostumamos ao ruim, ao feio, ao mal feito, e a antítese não é o caro, o luxuoso, mas o bom, o bem feito, criativo e interessante. Mais do que o brilho, o jogo de luz e as sombras, a ventilação cruzada, a ambientação, a comunidade que se forma no local.

 

O buraco já é fundo, mas tem lá uma escada e uma pá: qual será a sua escolha?