Guardas municipais na Praça 7, no Centro de BH -  (crédito: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Guardas municipais na Praça 7, no Centro de BH

crédito: Beto Novaes/EM/D.A Press

Uma pesquisa da Quaest realizada na semana passada aponta que a segurança de Belo Horizonte é o terceiro maior problema da cidade para 16% dos entrevistados. A pesquisa Datafolha realizada uma semana antes, que analisa com mais detalhes sobre a questão da segurança, retrata quase a metade dos entrevistados, 48%, muito inseguros; 27% se sentem um pouco inseguros; 16% mais ou menos seguros e apenas 6% muito seguros.



Outras pesquisas voltadas à ocupação do Centro captaram, igualmente, a segurança como uma questão prioritária para sua regeneração e reocupação.



O recado é claro: sem segurança, fica difícil.

 

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Só tem um probleminha aí. Nenhuma das pesquisas apresenta quaisquer dados, nem a evolução dos índices ao longo do tempo sobre a segurança; nenhuma menciona a quantidade de roubos, de assaltos, latrocínios, roubos de celular e ameaças em geral.

 


Nenhuma das sondagens e pesquisas trata do que realmente acontece, mas estritamente da percepção do entrevistado. As pesquisas medem, antes de mais nada, sentimentos, preconceitos, ideias anteriores, recall da avalanche de notícias catastróficas, e um sentimento cada vez mais comum e universalizado de insegurança geral, de medo.



Também pudera. Os shoppings vendem segurança, os condomínios fechados vendem segurança, os prédios encastelados em muros vendem segurança. Quem anuncia segurança está, na verdade, divulgando o medo e os riscos para quem escolhe não passar a vida entre muros.

 



Os veículos de comunicação vendem insegurança e catástrofes 24 horas por dia, 7 dias por semana. Os políticos eleitos e os em eleição vendem agressão e ameaças ao status quo, o fim da civilização e emergências de todos os tipos.



O medo vende, mata a criatividade e cria cultura, e cultura, a gente sabe, influencia todas as nossas decisões.

 



O que as pesquisas espelham, em minha - modesta - opinião, nada mais é do que as nossas falhas enquanto sociedade, a falta de cidadania, os nossos preconceitos e o nosso "nojinho" com a sujeira, com a feiura e com o desalento de quem acaba nas ruas.



Mendigos e moradores de rua são, muito raramente, violentos. São, raramente, invasivos e agressivos, exceto se sob efeito de drogas. Normalmente, não abordam pessoas, e quando delinquem o fazem na forma de furtos nos canteiros de construção. Há exceções, mas essa é a regra.



O nosso "ethos", a nossa cultura é, hoje, o reflexo de décadas de mensagens subliminares e explícitas em favor da segregação e do encastelamento em prédios, shoppings, condomínios fechados, bairros de casas unifamiliares, e carro para tudo e qualquer coisa. É a projeção da cidade idílica, "limpinha" e florida (a parte "limpinha" da Barra da Tijuca e de Miami, Dubai e o The Line).

 



A verdade é que o nosso ethos turvou o entendimento de que feiúra e sujeira não são a mesma coisa que insegurança. Nunca foram, e cidades no Terceiro Mundo não são "limpinhas" e floridas, mas podem ser densas, vivas e funcionar muito bem, quando há cidadania e quando cada cidadão contribui de forma efetiva (por efetiva, quero dizer fora das redes sociais, no mundo real, colocando a "mão na massa", cuidando de seu prédio, da frente do seu comércio, e ajudando quem precisa, como for possível).



O Centro de BH não é inseguro, posso garantir, e certamente não mais inseguro do que a Savassi, o Sion, ou o Buritis e o Barreiro, Venda Nova, Esplanada.



A Prefeitura pode, claro, atenuar essa percepção com mais paisagismo (e uma manutenção constante e adequada), e mais facilidades para os moradores de rua. Pode atuar não tolerando acampamentos para consumo de drogas em locais públicos, limpando e iluminando, não há dúvidas (e essa é a essência do projeto atual em curso, um conjunto de 80 ou 90 ações de zeladoria e assistência social).

 



Mas, sejamos francos, não há investimento possível que qualquer prefeitura possa fazer, que supere os preconceitos e percepções erradas, se nós mesmos não formos capazes de refletir e reavaliar a nossa posição e alinhar percepção e realidade.



Precisamos ousar porque, como bem disse São Tomás de Aquino, "se a meta principal de um capitão fosse preservar seu barco, ele o conservaria no porto para sempre".



Coragem, ousadia e senso de realidade.