Vamos começar pelo final: Belo Horizonte vem exportando moradores, negócios, empresas e riqueza para Nova Lima nas últimas décadas, e com a legislação urbanística atual, muito pouco ou quase nada pode ser feito.

 

Brasília surgiu como a antítese das cidades europeias, num momento - o pós guerra - em que se buscava redenção por meio da reinvenção dos modelos anteriores. Filosofia e debate válidos, resultados - para as cidades - desastrosos. Não à toa, muitas cidades emergentes da Ásia, mais pujantes, inclusivas e democráticas que as nossas, seguiram premissas opostas à capital do Brasil.

 



 

Substituímos densidade, cidades compactas, resiliência, usos mistos, custo otimizado de infraestrutura, redes de metrô, por cidades setorizadas, baseadas no automóvel, com baixa densidade e espalhadas demais (encarecendo o custo da infraestrutura e do transporte público).

 

Siga o nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia

 

Ora, direis, "não somos Brasília". É verdade, mas por alguma razão importamos o conceito de setorização, espalhamento e baixa densidade a partir da 1976, com a implementação de uma série de regras que substituíram o "gabarito" construtivo (aquele que permitia usar todo o terreno, lojas no térreo logo ali no passeio, e alta densidade) por coeficiente de aproveitamento, afastamento frontal, afastamentos laterais, taxa de ocupação, um conjunto de regras e parâmetros que não gerou outro resultado que não a redução do aproveitamento de cada lote, da redução da densidade, da dificuldade de se fazer lojas nos térreos, e da criação de prédios com grades por toda a cidade.

 

Esse conjunto de regras e parâmetros é o maior responsável pelo baixo aproveitamento de cada lote, do espalhamento da cidade e da necessidade de se investir, cada vez mais, na construção e manutenção da infraestrutura. Mas são essas mesmas regras e parâmetros que acabam, ao fim e ao cabo, encarecendo os lotes e, por consequência, os imóveis construídos.

 

 

É fundamental entender que os problemas e defeitos urbanísticos que a cidade vive hoje derivam, direta e inexoravelmente, do modelo de cidade e do conceito adotado após 1976, traduzido com ainda maior ênfase no primeiro Plano Diretor, em 1996. E, embora o mundo inteiro tenha se rendido à densidade de cidades como Barcelona, a prefeitura e seu corpo técnico insistem num modelo que é o exato oposto.

 

Os Planos Diretores e a visão de cidade consagrada nos últimos 40 anos pela Prefeitura de Belo Horizonte criaram uma cidade anacrônica, que se vê obrigada a investir e a manter uma infraestrutura urbana altamente elitizada, na medida em que atende a cada vez menos gente em cada quarteirão.

 

Mas não acredite em mim. Acredite em Jane Jacobs, a maior e principal pensadora de cidades, profissional e estudiosa que conseguiu decifrar os problemas no desenvolvimento urbano e no uso das cidades, apontando caminhos claros e objetivos, numa linguagem bastante acessível e sem os tecnicismos, sem qualquer pretensão.

 

 

Seu livro “Morte e Vida de Grandes Cidades” é, possivelmente, a obra mais inteligente e mais lida no planeta sobre cidades e urbanismo, e continua mais atual do que nunca, mesmo tendo sido escrito há cerca de 70 anos.

 

Voe alto e não acredite apenas em Jane Jacobs; leia também o livro “Ordem Sem Design”, de Alain Bertaud, com uma escrita igualmente acessível. Alain é, ao contrário de Jane Jacobs, um agente de mudança real em cidades por todo o planeta onde, como planejador, compreendeu o risco de uma mentalidade errada, da insistência em modelos falidos e do excesso de regulação e da burocracia.

 

E, num mundo onde a burocracia e o excesso de regras despertam uma espécie de veneração e ilusão de controle, todo cuidado é pouco. A máquina acaba tendo vida própria e engolindo a todos nós.

 

 

Se é possível construir um prédio com, digamos, 4 pavimentos e uns 16 apartamentos, num pequeno lote de 360,0 m2, cada quarteirão terá uns 800, talvez 1.200 habitantes. Noves fora, praças, prédios comerciais e lotes subaproveitados, e teremos 30.000 habitantes por km², densidade digna das melhores cidades europeias ou japonesas.

 

Mas, atualmente, o modelo existente em Belo Horizonte vai limitar essa densidade a 25% da densidade desejável, ou algo em torno de 7.000 habitantes por km², mão mais próximo aos 5.000 habitantes por km². Pior, temos baixa densidade aliada a baixa incidência de comércio local, pouco verde, poucas praças e áreas de lazer, pouca vida noturna. Tudo somado, o resultado da equação é a pouca vitalidade e insegurança.

 

A saída? Permitir que os lotes sejam mais e melhor aproveitados.

 

Como? Tornando facultativa a adoção de afastamentos frontal e laterais.

 

Há muito pouco ou quase nada a ser feito, mas a boa notícia é que, com muito pouco ou quase nada, apenas tornando facultativas a adoção de afastamentos frontal e laterais e garantindo um melhor aproveitamento dos lotes, é possível mudar o rumo da cidade e resgatar a densidade e a vitalidade perdidas.

 

E rapidamente, muito rapidamente.

compartilhe