Cidade pequena é um negócio interessante, porque tudo parece muito igual, formando um cenário meio uniforme, como se houvesse um gabarito ou uma legislação impondo semelhança. E assim tudo segue como sempre, com baixa densidade e um espalhamento contínuo, até a cidade atingir 20 mil habitantes, quando está obrigada pela Lei 10.257 de 2001 a criar seu primeiro Plano Diretor.



Imagine um jovem de 10 ou 12 anos de idade precisando assumir, por força de lei, as obrigações e responsabilidades de um adulto. Não tem como, e não há maturidade que dê conta; a saída é pedir ao adulto da sala que lhe diga o que e como fazer, tintim por tintim. Isso não é autonomia, ao contrário, mas nada mais do que uma responsabilidade delegada. É se colocar nas mãos do adulto, e sem condições de avaliar as decisões tomadas.

 





Assim é com cidades pequenas quando precisam criar e aprovar seu primeiro Plano Diretor: uma empresa “especializada” em licitações públicas vence uma licitação e traz aquele pacote prontinho, um "kit plano diretor" sistematizado ao longo de anos de prestação de serviços pasteurizados. Burocracia padrão ISO 9.000.

 



A partir daí, a pequena cidade continuará crescendo da mesma forma, sem densidade, se espalhando, sem visão de futuro e sem qualidade urbana (não confundir pequeno e agradável com qualidade urbana), mas agora com comitês, conselhos, mais funcionários, mais processos, mais aprovações e - muito - mais audiências públicas, tudo por conta do "kit plano diretor" lindamente encadernado em capa-dura, que terá trazido a maior parte dos “diagnósticos” já prontos, aproveitados de outras pequenas cidades.



Com o passar de décadas e com as revisões futuras do Plano Diretor, cada setor da cidade que cresce terá se desenvolvido de uma forma diferente, alguns com mais verticalidade, lotes assim ou assado, áreas verdes ou não, sistema viário melhor ou pior, rede de esgoto ou fossa séptica; enfim, a cidade que parecia única começa a ter feições distintas ao longo do tempo.

 



As metrópoles, nascidas pequenas cidades, são uma visão de futuro (boa ou ruim) dos efeitos do crescimento de longo prazo, e dos efeitos de seus Planos Diretores. Uma metrópole é, de alguma forma, a junção de várias pequenas cidades, cada uma com suas características particulares, num determinado momento.



E essa é a razão pela qual não deve haver, nos Planos Diretores, grandes áreas com zoneamento único, mas uma abordagem focada em parâmetros de tolerância de suporte, e com o mínimo de regras. Pouca generalidade e muita visão em detalhe. Pouca lipoaspiração e muita acupuntura.

 



Tolerância de suporte, terminologia estranha, trata da quantidade de densidade que um determinado bairro, setor ou região já suportam, baseado na infraestrutura existente (não a quantidade de ruas e de asfalto, mas água, esgoto, drenagem, energia, comunicações, escolas, saúde, segurança, lazer, áreas verdes, cultura, proximidade com negócios e empregos). É a bigorna da realidade informando o que pode ser feito num determinado local, agora, e não num exercício de futurologia (com um futuro que, convenhamos, nunca chega).



Exemplo fácil para a tolerância de suporte é o Centro de BH, que já está, há mais de 60 anos, prontinho esperando muita densidade e gente para morar, não porque alguém queira, mas porque já tem tudo o que é necessário.

 



Não apenas não falta nada, quanto o simples fato de haver mais gente morando no Centro provocará um desafogo no trânsito, com mais gente se deslocando a pé e de bicicleta, e reduzindo a necessidade do atual volume de ônibus. A saída, como se vê, não é mais asfalto ou mais ônibus nas ruas, mas mais gente morando no Centro e nas zonas com maior tolerância de suporte.



Dez mil novos moradores no Centro de Belo Horizonte são 30 ou 40 ônibus a menos circulando diariamente, menos poluentes emitidos, mais segurança e empregos a 30 minutos ou menos de distância.



Para o trabalhador comum, são R$500,00 a mais no bolso por mês; para o empregador, menos burocracia e funcionários com renda maior, mais valorizados, mais prósperos, com maior alcance econômico, educacional e cultural. Para a cidade, 30 ou 40 ônibus a menos e um milhão de reais a menos em subsídio (chutei aqui, mas é certo que a redução da quantidade de ônibus nas ruas diminua o valor do subsídio municipal ao sistema).

 

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A saída para a mobilidade urbana passa, paradoxalmente, por fixar população nas zonas centrais e movimentá-las ao mínimo. Interessante, não?

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