O milagre de final de ano: do Belvedere ao Leblon
Quantidade de obras no Belvedere mascara futuro incerto para o bairro, mas as histórias de sucesso e fracasso de outras cidades servem para trazer luz ao debate
Mais lidas
compartilhe
SIGA NOImagine um governador espalhando roupas infectadas com o vírus da varíola para exterminar os moradores de um determinado local. Essa ação que, à barbárie soma a ignorância, pesa na conta do governador português Antônio Salema, foi praticada contra os índios tamoios que então habitavam a região da atual lagoa Rodrigo de Freitas e o Leblon, antiga Praia Brava.
Leblon que, aliás, deve seu nome ao francês Charles Leblon, proprietário de uma empresa de pesca de baleias e que tinha uma chácara na região pelos idos de 1850, transformada em zona urbana pelas mãos da Companhia Construtora Ipanema, que, no dia 26 de julho de 1919, abria as vendas de lotes no novo bairro.
O Leblon nem sempre foi o sucesso que é hoje e, por décadas após seu lançamento, foi o destino de funcionários públicos e de uma classe média para os quais Copacabana era cara demais. O perfil dos moradores moldou uma ocupação baseada em pequenas casas e prédios onde predominavam unidades pequenas e pouco sofisticadas. A mudança e a transformação vieram mais fortemente nos últimos 30 anos. Não obstante, o Leblon conserva, em vários setores, as feições e a escala que remetem às décadas de 1940, 1950 e 1960.
A história do Belvedere é outra. De um bairro de casas de classe média na década de 1970, evoluiu para casas de alto padrão para, um pouco mais à frente, no ano de 1988, alterar o zoneamento de um setor e liberar a verticalização.
Passadas três décadas, o setor do Belvedere que permite a verticalização já está totalmente ocupado, e os olhares se voltam para o setor residencial de casas que, recentemente, passou a permitir a construção de comércio e serviços com limitação de altimetria e potencial construtivo.
A demanda parece ser tão forte que, em poucos anos, já é possível perceber a transformação, com uma parte significativa das casas sendo transformadas em atividades comerciais. E aí a luz amarela começa a piscar: se não é possível adensar e verticalizar, o comércio tende a substituir continuamente as residências até que esse setor do Belvedere se pareça com o Centro da cidade, com pouca gente morando e predominância de ocupações comerciais.
Jane Jacobs ensina no seminal “Vida e Morte das Grandes Cidades” a importância dos “olhos da rua”, mas deixa mais do que evidente que trocar a falta de “olhos” por apenas os “olhos” (sem moradores) dá na mesma.
Andar pelo bairro é suficiente para notar a quantidade de casas fechadas e malcuidadas e que, somadas às residências transformadas em operações comerciais construídas ou em construção, forjaram um jogo de soma zero entre pessoas morando e negócios surgindo (a entrada de um, implica na saída de outro). E, em um setor já de baixíssima densidade, o futuro não parece bonito nem de vitalidade urbana. A literatura está repleta de casos de decadência urbana quando, em vez de incorporar usos diversos e apostar na densidade, uma região se limita a substituir um uso pelo outro.
O aparente sucesso comercial e imobiliário não tem a capacidade de alterar os resultados de uma equação extensamente testada em cidades pelo mundo afora. As cidades que apresentam resultados positivos contêm, obrigatoriamente, uso misto e alta ou média densidades.
É fato que a Legislação atual não permite muito mais do que o que estamos a assistir. Não obstante, a limitação atual não impede que a comunidade interessada se una em torno de uma visão de futuro não apenas necessária e desejável, mas possível.
E que visão de futuro é essa? O Leblon das décadas de 1940, 1950 e 1960, com prédios de baixa e média altimetria, entre 4 a 6 pavimentos, afastamentos reduzidos e, sempre que possível, fachadas ativas nos pavimentos térreos voltados para as ruas, medida simples e compatível com a infraestrutura existente, que trará uma densidade e um uso verdadeiramente misto que o Belvedere jamais teve (a densidade do setor verticalizado do Belvedere tem muito pouca densidade a mais do que o setor de residências).
Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia
Se a preocupação são as artérias de conexão entre o Belvedere e “a cidade”, ao adensar no volume adequado, o bairro tenderá para a autonomia, onde a sua população encontrará ali todos os serviços e empregos para se manter no bairro, sem movimentos pendulares e desnecessários.
A isso chamamos “centralidade”, o objetivo maior de todo gestor público e planejador urbano.
Texto elaborado em conjunto com Christian Penholate Faria, “market maker” e sócio da TWA Investimentos