Os números são assustadores: 4.816 idosos perderam a vida em quedas da própria altura em 2013; em 2022 o número mais que dobrou, para 9.591. Foram mais de 70 mil mortos neste período, mas o número de acidentados em quedas da própria altura é - ao menos - 3 vezes maior.

 


Difícil saber qual é a parcela de quedas que acontecem nas calçadas, mas pouco importa se são 5% ou 50% dos acidentes, quando 5% representam 3,5 mil idosos mortos nas calçadas das cidades brasileiras.

 


Ora direis, “processem os proprietários das calçadas", ou “façam uma lei obrigando os donos das calçadas a mantê-los em boas condições", ou ainda um “precisamos fiscalizar as calçadas e multar muito”.

 

 

E aí começam aqueles problemas tipicamente brasileiros: problemas que não existem, problemas que não são problemas.

 

Explico: o sistema viário é área pública, e pertence à municipalidade, não importando se originado numa cidade criada do zero ou pela construção privada de um novo bairro. Em qualquer situação, o sistema viário será público ao término das obras.

 



 

A lei 6.766 de 1979 trata da divisão de terras, mas não fala das calçadas. Já o Código Brasileiro de Trânsito (CBT) não deixa dúvidas sobre a composição do sistema viário em seu Anexo I: “uma calçada é definida como parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins".

 

 

E, exemplificando os “problemas que não existem” e os “problemas que não são problema", temos o Plano Diretor de Belo Horizonte (Lei 11.181 de 2019), que concorda com o CBT, quando diz que “a calçada é parte integrante do sistema viário e deve ser planejada para garantir acessibilidade, segurança e conforto aos pedestres", mas temos também o Código de Posturas do Município (Lei 8.616 de 2003), mas também estabelece que “os proprietários dos imóveis devem construir, conservar e manter as calçadas em condições adequadas”, contrariando o próprio Plano Diretor e o CBT.

 

 

Não tenho formação jurídica (sou Arquiteto, Urbanista e incorporador), mas tenho cá as minhas dúvidas de que o Código de Obras tenha o condão de invalidar estruturas legais e normativas federais, atribuindo ao cidadão obrigações e sanções sobre o patrimônio público municipal.
E nem faz qualquer sentido, claro. Imagine o cidadão, o proprietário de um imóvel qualquer, sendo obrigado a fazer manutenção na rua ou nos postes de energia que a concessionária instalou na calçada em frente à sua casa? Imagine você, morador, sendo acionado pela seguradora do automóvel que, por um buraco na rua, se envolveu num acidente qualquer? Ou por um cidadão ferido na queda de uma árvore plantada pelo município, na calçada pública em frente à sua casa?

 

 

E se é para ficar nas calçadas, falemos das árvores cujas raízes crescem mais do que o valor do dólar em governos gastadores, e estragam mais as calçadas do que o preço da gasolina na conta dos taxistas. Espécies de árvores inadequadas para o meio urbano tornam as calçadas um campo minado não apenas para os idosos, mas também para quem tem dificuldade de locomoção, cadeirantes, crianças e carrinhos de bebê.

 

Põe em risco a saúde de quem precisa transitar, e estraga o passeio de quem só queria passear. Briga, também, com a infraestrutura aérea de energia e telecomunicações. E, nesse ponto em particular, você dirá - e eu concordarei - que cidades desenvolvidas já enterraram essa infraestrutura e eliminaram o posteamento e a fiação aéreas, mas “a melhor energia do Brasil", a CEMIG, não concorda e vive emitindo normas que tornam a infraestrutura de energia e telecom subterrâneas tão complicadas e tão caras, que até parece que é para desanimar, e não fazer…

 

 

E, não enterrando, o que sobra a fazer é uma poda grotesca que, errada, cresce por sobre a fiação, ameaçando apagar o bairro a cada chuva. A solução é uma epidemia de topiaria praticada por cegos, transformando cada árvore da cidade numa letra “V” bizarra e desequilibrada, que se projeta para o meio da rua. Com o tempo, o galho encontra a gravidade e, não raro, um carro estacionado.

 

Buenos Aires, capital da Argentina, adota, há décadas, passeios recobertos por peças de pré-moldados de concreto antiderrapante, de cor cinza e imunes à sujeira, apoiados sobre leitos de areia. De fácil manutenção e substituição, garantem uma uniformidade visual que melhora em muito o aspecto do bairro.

 

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Sevilha, na Espanha, por outro lado, resolveu adotar as laranjeiras como árvores urbanas. As laranjeiras não crescem muito, jamais alcançam a fiação aérea, atraem pássaros e deixam a cidade cheirosa, e linda quando floram e quando vem os frutos. Não exigem guindastes para a poda, não quebram as calçadas, e quase não ocupam espaço. Dão uma sombra gostosa, e o pessoal adora.

 

Exemplos não faltam, e sobre cidadania todo mundo sabe dizer, mas por alguma razão, a lógica parece não encontrar espaço nas cidades brasileiras.


(texto adaptado do originalmente publicado no Caos Planejado em 05/12/2024)

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