Na primeira metade da década de 1980, o Brasil vivia os últimos (felizmente) momentos da ditadura cívico-militar instaurada no país em 1964. Um sopro de esperança por mudança começava a bater mais forte, depois de décadas de direitos usurpados, torturas, mortes e benefícios aos de botas – e aos que as lambiam.

A população entupia ruas e praças pedindo “Diretas Já”. No futebol, coube ao escrete do Corinthians, comandado por Sócrates, encampar a luta pela volta da liberdade por meio do movimento que ficou conhecido como 'Democracia Corinthiana'. Porém, nos últimos tempos, foi exatamente esse clube paulista o personagem coadjuvante de uma sequência de 'democracias roubadas' que prejudicaram diretamente o nosso Cruzeiro.

O Cabuloso sacramentava a vitória por 3 a 1 contra o time do nome sugestivo Democrata, no último domingo, quando recordei desse episódio da história brasileira.



Estamos ainda no segundo mês do ano e já acumulamos dois episódios de 'roubos' cometidos contra o Cruzeiro, exatamente em disputas contra a 'ex-Democracia Corintiana'. O primeiro deles, em janeiro, na Copa São Paulo de Juniores.

O Cruzeiro chegou à final da Copinha como a grande sensação da competição. Surpreendeu a todos, inclusive à Nação Azul, pois contava com um elenco com média de idade bem inferior aos demais participantes. Mesmo jogando no estádio do Corinthians, éramos favoritos.

Início de jogo e o enredo ia se confirmando. Passamos toda a peleja jogando com farta superioridade. Veio o golaço de Tevis! O grito de campeão estava próximo de ecoar com sotaque mineiro. Até que...

Chamado pela equipe do VAR, o árbitro, que estava a centímetros do lance e havia validado o gol, aceitou uma falta completamente inventada no goleiro corintiano. Surripiaram nosso direito democrático de sermos campeões.

Na manhã do último domingo, lá estava o Cruzeiro disputando sua segunda final do ano. Exatamente contra o mesmo Corinthians e no mesmo estádio, novamente lotado pela torcida adversária. As Cabulosas não eram favoritas na Supercopa do Brasil. Tomaram o gol que lhes tiraria democraticamente o título aos dois minutos do segundo tempo.

Mas nosso escrete feminino, heroicamente, não desistiu. Correu e deu sangue. Chegou ao empate, aos 41 minutos do segundo tempo. Um golaço de Byanca! Ainda estávamos no páreo para gritarmos “é campeão”. Até que...

A árbitra, que já havia validado o gol cruzeirense, foi chamada pelo VAR. Pressionada, resolveu mudar de interpretação e nos retirou a esperança.

Em 2010, a “casa” corintiana era o estádio Pacaembu. Palco de Cruzeiro e Corinthians pela 35ª rodada do Brasileirão. Éramos favoritos ao título naquele ano.

Do lado de lá, a grande estrela do escrete corintiano era Ronaldo Fenômeno. Estádio lotado. Em campo, o Cruzeiro mandou no jogo, impondo seu futebol eficiente e rápido. Empilhávamos chances claras de gol desperdiçadas. Abusávamos da sorte. Até que a democracia foi novamente roubada.

Aos 41 minutos do segundo tempo, cruzamento na área celeste. Ronaldo, ao subir para uma disputa normal com o jovem zagueiro Gil usou da malandragem e fingiu sofrer um tranco. Absurdamente, o árbitro Sandro Meira Ricci assinalou a marca de pênalti: 1 a 0 para o Corinthians. Uma das maiores canalhices da história do Campeonato Brasileiro.

A partida se reiniciou para os minutos finais de mais um grito de campeão que, antidemocraticamente, nos era negado. Longe da disputa da bola, revoltado, o volante Fabrício caminhou por todo o campo em direção à escadaria de acesso aos vestiários. Olhou para o banco de reservas e fez o famoso sinal com os dois dedos indicadores girando sobre a cabeça. Abandonou aquele teatro de horrores.

Foi por não aceitar ser espectador ou vítima silenciosa daquele episódio da democracia roubada em favor do Corinthians que Fabrício entrou definitivamente na parte mais alta da minha galeria de ídolos cruzeirenses.

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