“Quero ficar marcado no clube sendo campeão.” Pensou, deitado, em São Paulo, no quarto de hotel dividido com o lateral Gilberto. Era 12 novembro de 2010, véspera da peleja contra o Corinthians, pelo Brasileirão. Se o Cruzeiro vencesse, assumiria a liderança, restando apenas outras três rodadas para o encerramento. Pela qualidade do escrete, sim! O Cabuloso venceria!

O volante Fabrício se enroscou na coberta e, com um sorriso solitário, sentiu saudades da amada esposa Bruna e do filhote Lorenzo, então, com 1 ano de idade, que haviam ficado em Belo Horizonte. Dormiu.

No sábado, 40.000 pessoas no Pacaembu. O canto da arquibancada destinado aos visitantes, à esquerda do tobogã, estava completamento tomado. Os jogadores, camisa azul com as cinco estrelas ao peito e com o olhos completamente vidrados, foram até o alambrado e saudaram a Nação Azul como quem diz: “Vamos, porra!”

Mas alguma coisa estava fora da ordem... Árbitro e bandeiras iniciaram uma sequência de falsos impedimentos, faltinhas no meio campo a favor dos paulistas e um pênalti escandaloso não marcado sobre o velocista Thiago Ribeiro.

O Cruzeiro estava sendo minado. Dando a vida em campo, Fabrício ainda não conseguia perceber. Só pensava em doar até a última gota de suor para garantir a vitória e a liderança. “Quero ficar marcado no clube sendo campeão”, o pensamento da madrugada latejava em sua mente.

O time estrelado dominava a peleja. O empate por 0 a 0 era injusto, mas, mesmo se terminasse assim, o Cruzeiro assumiria a liderança do Brasileirão ao lado do Fluminense. Foi quando, aos 45 minutos do segundo tempo, o barulho do apito rompeu a noite gelada. Sandro Meira Ricci marcara um pênalti inexistente sobre o corintiano Ronaldo Fenômeno, que caiu, encenando um teatro.

1 a 0, gol roubado. Henrique, Leo, Marquinhos Paraná, Gil, Fábio e o guerreiro Fabrício, ensandecidos, cercaram o árbitro com peitadas e verdades ao pé do ouvido. Gilberto, com o dedo em riste, esfregou a cara de Ricci. No banco, aplaudindo ironicamente a lambança, o técnico Cuca era expulso.

Quando os times preparavam para reiniciarem o jogo, Fabrício sentiu o corpo queimar por tamanha covardia contra o Cruzeiro. O coração disparou ao ver a torcida cruzeirense revoltada nas arquibancadas. “Não consigo mais jogar bola”, pensou.

Foi quando o Pacaembu parou para ver um dos maiores atos de amor a um clube protagonizado por um jogador na história do futebol mundial. Transtornado pelo roubo, Fabrício abandonou o campo de jogo. Caminhou pelo gramado, em direção ao túnel do vestiário, acompanhado pelos aplausos e lágrimas dos cruzeirenses. Na cabine de transmissão, um comentarista, atônito, imortalizou a cena: “Eu nunca vi isso, meu Deus. Inédito no futebol! Um jogador abandonando o campo.”

O Cruzeiro venceria os três jogos seguintes (Vasco, Flamengo e Palmeiras), mas pela pilhagem do Pacaembu, fecharia o campeonato em segundo lugar, a dois pontos atrás do Fluminense.

Fabrício terminou o ano marcado no clube não como campeão, como sonhara, mas, sim, por algo ainda mais grandioso. Tornou-se ídolo eterno da Nação Azul pela atitude de dignidade pelo manto sagrado, pela história de Palestra a Cruzeiro, por seu amor incondicional às cinco estrelas. “As pessoas não têm noção de como a gente vira torcedor. Eu sou Cruzeiro, o maior do Brasil.”

Há poucas semanas, no interior paulista, Fabrício desligou o telefone, e com seu tradicional sorriso de louco no rosto, dividiu com a família a notícia. Acabara de receber o convite para se integrar à nova comissão técnica de formadores das categorias de base do Cruzeiro. Festa azul e branca em casa.

“Pô, pai! Agora, eu vou estar em todos os jogos. Prepara o setor amarelo do Mineirão!”, disse o filho mais novo, Benício. Fabrício o abraçou, se despediu e seguiu para se apresentar em Belo Horizonte.

Na véspera do primeiro dia de trabalho, no seu quartinho na Toca da Raposa, o ídolo programou o despertador para “06h01”. Agitado, acordou às 04hh30. Molhou o rosto na pia, olhou para o corpo coberto por tatuagens alusivas ao Cruzeiro e pensou: “Não quero errar. É o time que eu amo.”

Quando chegou à Toquinha, Fabrício, olhou para o céu, pensou em Nossa Senhora Aparecida e prometeu para si mesmo: “Quero mostrar para esses garotos onde estão pisando, o peso dessa camisa e a grandeza da torcida cruzeirense”.

Para Fabrício, o Cruzeiro é o mundo. Que o Cruzeiro encha o mundo de novos Fabrícios!

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