Marcelo Ramos, com a camisa azul de mangas longas e estrelas brancas a lhe proteger o corpo, como um manto sagrado, convertia a sua cobrança na série de tiros livres. Correu, dando saltos. Sorriso largo a lhe preencher a face. Abraçou seus companheiros, em especial, o guarda-metas, um gigante pegador de pênaltis.

 

O início da festa brasileira foi o estopim para a fúria. O gramado do estádio Monumental David Arellano, em Santiago do Chile, se transformou em uma planície em guerra, onde os donos do território evocaram a bravura do cacique mapuche Colo-Colo, herói da Guerra de Arauco e personagem das poesias de Alonso de Ercilla y Zúñiga.

 

 



 

Encurralado no bolsão de acesso ao vestiário, o escrete cruzeirense juntou suas linhas de defesa como pode. De um lado, os jogadores chilenos ensandecidos, com os punhos cerrados e as travas das chuteiras altas para sangrar a carne brasileira que pudessem alcançar. De outro, Los Albos, forçando o frágil alambrado, tentando uma brecha para invadirem o gramado e punirem o time brasileiro que acabara de lhes tirar a chance do bicampeonato continental.

 

Estava findada a semifinal da Copa Libertadores de 1997. Mesmo perdendo por 3 a 2, o Cruzeiro do monumental Dida estava classificado para a finalíssima, após a decisão de pênaltis, pois havia vencido o jogo de ida, no Mineirão, por 1 a 0. Faltava um passo para La Bestia Negra conquistar novamente a América do Sul; o que realmente aconteceria algumas semanas depois.

 

 

Seis anos antes. O estádio Defensores del Chaco lotado. La Barra 79 à espera do gol que classificaria o Olímpia. Para os paraguaios, era questão de tempo. Afinal, no ataque estava o ídolo Vidal Sanabria.

O tempo passava e a batalha ficava ainda mais desesperadora. Resistência: esse foi o nome da Squadra Azurra. Zelão, Paulão, Adílson, Nonato e Ademir formavam a linha de defesa da meta de Paulo César Borges. Até que o apito, soprado com firmeza por Juan Bava, ressoou por todo o chaco de Assunção: 0 a 0 no tempo normal. Tiros livres, já que na partida de ida, no Mineirão, também houve empate.

 

 

Raimundo Nonato converteu o último pênalti. Exausto, o escrete cruzeirense ergueu os braços aos céus. Alguns, com os punhos cerrados. Outro, com as palmas estendidas em agradecimento.

 

Era semifinal. O Cruzeiro estava classificado para a segunda final da Supercopa dos Campeões da Libertadores, que conquistaria algumas semanas depois daquela Guerra do Paraguai.

 

Há 11 anos, o Cruzeiro não chegava a uma semifinal continental. E tudo indicava que não passaria disso quando voltou a disputá-la, em 1988, pois depois de perder a partida de ida para o Nacional do Uruguai, em Montevidéu, por 3 a 2, já estava com 29 minutos jogados do segundo tempo da partida de volta, no Mineirão, sem marcar gol salvador que lhe daria a classificação.

 

 

O relógio marcou 30 minutos quando todo o concreto do Gigante da Pampulha sacudiu com 90.946 pessoas a pular. O ponteiro Róbson acertou o ângulo. Era a semifinal da Supercopa dos Campeões. Semanas depois, o Cruzeiro voltava a disputar uma taça continental depois de uma década.

 

Peço desculpas aos leitores com menos de 30 anos de idade por tanta nostalgia. Certamente, vocês não entenderão o motivo de nós, marmanjos de barbas brancas, estarmos todos com o rosto molhado por lágrimas derramadas pelas memórias descritas nas estrofes anteriores.

 

A última passagem do Cruzeiro por uma semifinal continental aconteceu há 26 anos, quando vencemos o San Lorenzo e chegamos à final da Copa Mercosul.

 

A peleja de amanhã, contra o Lanús, será a oportunidade para toda uma geração de cruzeirenses vivenciar, pela primeira vez, a experiência fascinante de uma semifinal continental. Um presente para essa molecada, que mesmo depois da tragédia de 2019, nunca abandonou o Time do Povo Mineiro.

 

Que amanhã seja a primeira estrofe de um novo capítulo que na última linha tenha escrito: “Era semifinal, e semanas depois, o Cruzeiro voltava a levantar uma taça continental”.

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