O sábado era de tempo ameno em Assunção. Bandeiras do Paraguai tremulavam nas ruas e prédios. O vento sul batia no agasalho azul e estrelado de Julinho. Ele havia chegado antecipadamente à cidade para a partida decisiva do Cruzeiro contra o Cerro Porteño pela Taça Libertadores de 2014. A peleja seria só na quarta-feira, no estádio General Pablo Roja, “La Olla Azulgrana”.
Era a terceira viagem de Julinho pela América do Sul naquela competição. Na primeira, em Huacayo, no Peru, as imagens da TV mostraram para o mundo uma faixa, em meio à torcida do Cruzeiro, estampada com o dizer “Macaco Azul”. Aquele era o apelido de Julinho. Em uma coincidência revoltante, naquela partida, a torcida atos de racismo contra Tinga, imitando sons de macaco todas as vezes que o meio-campista tocava a bola.
Daquela derrota em diante, o escrete do Cruzeiro se fechou e conseguiu uma classificação heroica para as oitavas de final. Precisaria desse espírito no Paraguai, pois na primeira partida, no Mineirão, não passou de um empate contra o Cerro Porteño.
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No domingo, na capital paraguaia, o telefone de Julinho tocou. A notícia mais triste de sua vida. O homem que havia lhe ensinado a amar o Cruzeiro estava morto. Seu pai, Dalmo, não resistiu a uma doença que lhe acometia nos últimos anos.
Na segunda-feira, Julinho estava de volta a Belo Horizonte. Chorou ao lado do caixão de Dalmo. Os abraços dos amigos lhe confortavam e um deles sugeriu: “volte ao Paraguai. Certamente, seu pai, que tanto amava o Cruzeiro, gostaria de te ver lá. Faça essa homenagem para ele.”
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Na noite de quarta-feira, em Assunção, o comandante Marcelo Oliveira mandou a campo: Fábio, Ceará, Dedé, Bruno Rodrigo e Samudio; Henrique, Lucas Silva, Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart; William e Júlio Baptista. Na arquibancada estava Julinho, o “Macaco Azul”, com uma faixa branca enrolada.
O Cerro Porteño era comandado pelo multicampeão Arce. Tinha jogadores que depois ficaram bem conhecidos no Brasil como Gatito Fernández, Junior Alonso e os irmãos Óscar e Ángel Romero.
Bola rolando. Fábio, que naquela partida se tornava o goleiro a mais vezes vestir o manto sagrado, tentava segurar a pressão. Até que em um lance cara a cara, destinado a dar ao Cerro Porteño o gol da vitória, uma força sobrenatural pareceu jogar com o Cruzeiro. O arqueiro já estava vencido quando a bola milagrosamente beijou o nosso travessão.
Na arquibancada, os cerca de 300 cruzeirenses, respiraram aliviados. Julinho abriu sua faixa, que desta vez, não tinha seu apelido. Nela estava estampada a mensagem: “DALMO ETERNAMENTE”.
A sensação de alívio não durou muito. Aos 33 minutos do segundo tempo, o zagueiro Bruno Rodrigo foi expulso.
Vencer fora de casa, com um a menos, era missão impossível. Julinho olhou para o céu escuro e apelou para o seu velho: “o senhor acabou de chegar aí, mas já vamos começar a trabalhar, por favor! Faz alguma coisa aí para ajudar a gente aqui porque o negócio está difícil.”
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Dois minutos depois, falta na intermediária. Henrique pensou em cobrar rápido. Dedé pediu calma a ele e correu para a área. Everton Ribeiro bateu muito alto. A bola seria facilmente rebatida pela zaga do Cerro, mas Dedé subiu quase no céu para cabecear. Gol!
O Cruzeiro ainda ampliou com Dagoberto e o improvável aconteceu: estávamos classificados para as quartas de final da Libertadores. No gramado, os jogadores em festa. Na arquibancada, Julinho, emocionado, vestido com a camisa que era de Dalmo, ainda erguia a faixa em homenagem ao pai.
Exatamente 10 anos depois, o Cruzeiro voltará ao mesmo estádio para outra decisão sul-americana. Julinho estará novamente na arquibancada. De novo, com a camisa que foi de seu pai.
Que os 11 jogadores escalados por Fernando Diniz honrem o nosso manto sagrado, porque Dalmo, certamente (e eternamente), estará lá. Iluminando e trazendo sorte para o Cruzeiro!