Nunca saí tão arrasado de um consultório médico, como no dia da minha visita mais recente ao ortopedista. Seguindo recomendações do médico, daquele dia aos próximos 45 dias (renovados há duas semanas até a primeira quinzena de janeiro) viveria equilibrando sobre muletas na tentativa de uma solução para o problema, que, por ora, não é o ponto da discussão. No Dia da Acessibilidade, data comemorada hoje (5/11) em todo o país, é preciso colocar o assunto em pauta. Existem avanços nas questões de acessibilidade, mas ainda há muito o que ser feito.
CADÊ O PODER PÚBLICO?
Sempre – pelo menos até o início do uso das muletas – meu programa preferido era bater pernas. Andar pelas ruas da cidade, seguindo o curso do vento, observando os tipos urbanos, a arquitetura que dá charme e algumas vezes revela decadência do Centro urbano era uma delícia. Não havia ladeiras e calçadas esburacadas que freassem minhas jornadas de Norte a Sul de BH. Bastou incluir as muletas na rotina para desvendar a realidade (até então) invisível e extremamente difícil de quem depende de qualquer tipo de apoio para garantir o ir e vir. Para evitar tombo, não desgrudo os olhos do chão, onde não faltam armadilhas e riscos iminentes. Os desníveis são problemas sérios. Se para as muletas são barreiras complicadas, para os cadeirantes, meios fios e lombadas exigem paciência e atenção. Sou novo nessa discussão, confesso, mas não vejo discussões e debates do poder público a favor da obrigatoriedade da acessibilidade. Existem leis, eu sei. Mas falta muito a ser feito.
CADEIRA DE RODA TEM...
Para se ter uma ideia do nível de dificuldade, ir de uma esquina a outra com muletas é quase a travessia do deserto. Se tem alguém do meu lado, de tão concentrado para não cair, fico mudo. Sob o sol inclemente então... Apesar dos percalços, mantenho algumas atividades, como ver shows e peças de teatro, com os amigos sempre segurando a onda. Aí uma grande surpresa. Há teatros e espaços de shows bem equipados. No Arena Hall, por exemplo, quando a brigada de incêndio identifica quem, como eu, vai pelejando, eles tratam logo de oferecer a cadeira de rodas, o que, literalmente, é uma mão na roda. Como fui sozinho, os bombeiros levaram a cadeira até a plateia e, de lá, depois do show, buscaram de volta e a deixaram na porta do Arena. O mesmo aconteceu no Sesc Palladium, onde o pessoal da brigada recebe e leva até a plateia. Às vezes, a brigada é discretíssima. Tanto que domingo, no Minascentro, só quando me sentei, minha amiga que me acompanhava disse que eu não notei a brigadista atrás de mim. Geralmente, eles esperam que o PCD solicite a cadeira. Eu não tenho pudor. Cadeira de rodas é, literalmente, repito, mão na roda. Leitores da coluna, sabendo da minha situação, ligaram ontem elogiando o serviço oferecido pela brigada de bombeiros da Arena MRV, no show de Paul McCartney. Aqui fica uma observação. Não é uma questão do espaço que oferece o serviço. A gente sabe que os bombeiros prestam serviço de excelência. Sempre.
FALTA EDUCAÇÃO
Se nos equipamentos privados há o que se comemorar, no dia a dia, as pessoas ainda pecam por falta de noção e educação. Difícil encontrar quem está de olho a quem necessita algum tipo de apoio. Foi assim na rodoviária de Belo Horizonte. Do pátio inferior ao superior, um elevador ajuda. Mas, da porta dele aos guichês, o cidadão segue seu caminho sobre rodas ou nas muletas. Apenas um senhor, nesse trajeto, ofereceu ajuda. Em Confins, a acessibilidade é de primeira linha. Do balcão de informações aos guichês das companhias aéreas, você consegue cadeira de rodas com alguém que a empurra, essencial se você está sozinho e não tem traquejo para controlar uma cadeira, o que é muito difícil também. Do embarque na aeronave ao desembarque em Congonhas, quem precisa de acessibilidade não tem do que reclamar. Sem esquecer a gentileza e a delicadeza dos funcionários das companhias aéreas. Nos carros de aplicativos, a situação é diferente. Coincidência ou não, um carro cancelou meu pedido quando me identifiquei com muletas. "Geralmente, os colegas não gostam de levar quem tem deficiência. Têm medo de ter algum trabalho extra", disse um motorista de aplicativo que preferiu não se identificar. Ele já sentiu na pele esse problema. Com uma irmã cadeirante, passou a atender a irmã, que, por várias vezes, teve corridas canceladas. "Falta empatia e solidariedade entre as pessoas. A gente nunca sabe o dia de amanhã."
FICA A LIÇÃO
Que não sejamos obrigados a sentir na pele a dor de enfrentar calçadas esburacadas e todo tipo de problema que dificultam o ir e vir. No Dia Acessibilidade, que o poder público se debruce entre leis e projetos que facilitam a acessibilidade para quem é portador de algum tipo de deficiência. E que o cidadão não espere as surpresas do destino para se preocupar com temas que garantam todos os nossos direitos.