O caso do avião da extinta Vasp é tema do filme “O sequestro do voo 375”, de Marcus Baldini, em cartaz nos cinemas. Em 1988, a aeronave saiu de Porto Velho (RO) rumo ao Rio de Janeiro, com escalas. Em Belo Horizonte, o tratorista desempregado Raimundo Nonato Alves da Conceição embarcou armado, disposto a jogar o avião sobre o Palácio do Planalto e matar o então presidente José Sarney, a quem responsabilizava por sua demissão e pelos problemas financeiros que enfrentava. Priscila Freire, coordenadora do Sistema Nacional de Museus, também embarcou em Confins rumo à capital fluminense. Em fevereiro deste ano, ela encaminhou e-mail ao cineasta Baldini narrando detalhes do episódio. A Coluna Hit deste domingo destaca trechos de seu relato.
“É UM LOUCO!”
“Eu me sentara na sexta fila, janela à esquerda. Olhei para a frente, sem entender direito o que se passava, e vi o comissário de bordo correndo com a mão na cabeça e um homem com uma arma na mão, de frente para nós, tirando balas do bolso e carregando um revólver”, conta Priscila. “Histérica, me levantei e gritei: 'Para com isso, para com isso'. Me puxaram para trás, enquanto o homem me olhava fixamente. Virando-se para a porta da cabine, iniciou uma série de tiros. Saiu de lá um tripulante mancando e correndo, acompanhado da aeromoça, que gritava: 'É um louco, um louco'. A porta da cabine, aberta, permitiu que o homem entrasse e atirasse lá dentro várias vezes... Nessa altura, ouvimos uma voz: 'Tem um médico a bordo?'. Silêncio. Outra vez a voz: 'O passageiro quer descer em Brasília'.”
MOTO-CONTÍNUO
“O avião muda de rota e começamos a ter uma paisagem, vista do alto, completamente diferente daquele carrascal que é o entorno do Planalto Central. A preocupação séria: tem combustível para tanto? E o destino é Brasília mesmo ou Cuba? (…) O painel de controle está inteiro? Eu pensava tudo isso, enquanto o zum do avião era um moto-contínuo. O que você faz a não ser observar o homem impassível na nossa frente?”
“LIQUIDIFICADOR” AÉREO
“Mais um tempo e o avião estremece num turbilhão de gritos. Sacode como liquidificador ligado. Olho para fora e a terra está se aproximando rápido, o avião está caindo. Porém, em minutos ele se endireita, pousa e corre na pista. Alívio acompanhado de um grande calor abafado. Não sei onde estávamos, mas vejo escrito na parede de um armazém: Brasil Central.”
ATO FINAL
“Uma escada empurrada por dois homens sem camisa aproxima-se da porta aberta pela aeromoça. Vejo o comissário com a cabeça enrolada e suja de sangue, o técnico mancando de uma perna e o corpo de um rapaz jovem muito pálido sendo arrastado pelos dois feridos. O corpo vinha batendo em cada degrau”, diz Priscila Freire. “Ficamos ouvindo o que seria um acordo da polícia: 'Idiota, bandido, sai daí'. Nesse meio tempo, colocaram um avião menor atrás do nosso e tentam convencer o homem de que ele o levaria para Brasília, mas trovejando insultos e xingamentos. Cansado, o homem resolve sair, mas exige que o comandante vá na frente, assim como a moça atrás dele. No meio, ele se sentia protegido. Mal colocaram o pé na escada, o comandante tomou um tiro na perna e o homem voltou para dentro do avião. Ao sair outra vez, foi ferido e carregado para um capinzal na margem da pista. Vi a polícia com as armas apontadas em torno dele.”
LAUDO SUSPEITO
O cineasta Marcus Baldini ficou tocado com o depoimento da mineira. “Que bom ouvir seu relato, muito emocionante. Na verdade, agora já gravamos tudo, estamos em fase de edição. Mas espero muito que você goste do filme”, afirmou ele a Priscila Freire. A aterrisagem a que ela se referia ocorreu em Goiânia. Antes de chegar lá, o comandante Fernando Murilo Lima e Silva fez manobras ousadas com o Boeing para tentar derrubar o sequestrador. Porém, Raimundo Nonato recuperou a arma. Ele já havia matado o copiloto Salvador Evangelista. Baleado e preso pela Polícia Federal, o tratorista maranhense morreu de forma misteriosa no hospital em Goiânia. O laudo apontou anemia falciforme. Não foi assinado por profissionais do hospital, mas por Badan Palhares, o legista responsável pelo polêmico laudo de PC Farias.
OUTROS MINEIROS
Em sua escala em Belo Horizonte, o voo 375 recebeu 60 passageiros. Entre eles estavam os funcionários do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) Alfredo Mário de Castro Queiroz, Cláudio Souza Diniz, Manoel Raimundo de Matos, Renato Neves de Rezende, Amauri Lage e Márcio Machado Mourão. Também estava a bordo Francisco Costa Couto, irmão do mineiro Ronaldo Costa Couto, ministro da Casa Civil do governo José Sarney.