Em rede social, Priscila Freire, personalidade das artes e da cultura do Brasil, levantou uma discussão. Sempre atenta ao patrimônio cultural do país, mostrou sua preocupação com o destino de uma paisagem pintada por Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). O quadro, que até então fazia parte do acervo do museu que leva o nome do pintor, em Ouro Preto, estava, segundo ela, escondido no Museu da Inconfidência, a uma quadra de distância.
"Com arrogância autoritária, sem questionamento, sem respeito e sem civilidade, este quadro foi retirado da parede do Museu de Guignard e levado pelas ruas de Ouro Preto, sem seguro e sem embalagem adequada. E para quê? Para enfeitar o gabinete do diretor em exercício do Museu da Inconfidência", escreveu ela, em post no Instagram.
• RUI MOURÃO
Priscila contou a história da obra. "Este quadro foi encontrado sem dono na Casa da Baronesa, em Ouro Preto, sendo recolhido por Rui Mourão, sob a proteção do Museu da Inconfidência. Sendo uma pintura moderna de Guignard, não se adaptava ao conceito do Museu da Inconfidência e o Rui, para resguardá-lo, levou-o para seu gabinete de diretor", recordou. Mourão, que morreu em fevereiro deste ano, dirigiu o Museu da Inconfidência por 43 anos e foi um dos criadores da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop).
Priscila continua: "Existem lendas que dizem que foi uma encomenda do governo a Guignard para exibi-lo na Feira de Amostras (onde funciona a Rodoviária de Belo Horizonte), onde estavam mostras de toda a produção agropecuária e industrial de Minas. Parece certo que alguém tenha querido mostrar a Belgo Mineira com sua eletrificação e seu céu ferruginoso lembrando fornalhas. Era progresso, era riqueza industrial", acrescentou. "Além disso, Guignard era frequentador assíduo de Sabará, em companhia de Lúcia e Antônio Joaquim de Almeida, diretor e organizador do Museu do Ouro. A nossa Feira de Amostras veio abaixo para se construir a rodoviária. O que estava lá dentro? Quem sabe? Só as minhas lembranças de criança."
• COMO DEUS MANDA
O fato, conforme Priscila afirma, é que a obra foi parar em Ouro Preto. "Terá sido o Iepha?", questiona. "Quando criei o Museu Guignard em Ouro Preto, pedi o quadro ao Rui e ele, generoso e sensato, percebendo que era lá o lugar da pintura de Guignard, em absoluta confiança, cedeu a paisagem de Sabará". Ela continua: "Quando fui para Brasília exatamente para organizar o Sistema Nacional de Museus, que deu origem a esse burocrático Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), Rui Mourão levou o quadro de volta. Voltei a Minas e o quadro voltou ao museu, sob a direção de Gelcio Fortes. Tudo como Deus manda e Guignard quer", afirmou.
“A substituição de Rui por aposentadoria trouxe um mandato tampão de curto tempo, porém, para Guignard, desastroso. O quadro foi recolhido ao Museu da Inconfidência, que o tinha considerado propriedade há pouco tempo antes da saída de Rui. Hoje, as exigências burocráticas são de tal maneira rígidas que me espantam”, criticou. À coluna, Priscila confessou que quer que o quadro volte para o Museu Casa Guignard, que é, na avaliação dela, o lugar dele.
• BUROCRACIA
De acordo com Alek Sandro Calheiros de Moura, diretor do Museu da Inconfidência, a questão é administrativa. "A tela pertence legalmente ao Museu da Inconfidência e esteve em comodato com o Museu Casa Guignard até abril do ano passado, quando o contrato venceu. Segundo o documento normativo do Ibram, que regulamenta a cessão temporária de bens, o Museu Casa Guignard deveria ter se manifestado pela manutenção do comodato antes de seu vencimento, o que não foi feito", explica. "Assim, segundo o fluxo processual, o bem deve voltar ao proprietário, o Museu da Inconfidência, e, caso haja interesse, o processo deverá ser reiniciado."
• PROCESSO
Para alegria de todos e paz nas ladeiras de Ouro Preto, o Museu Casa Guignard, conforme garante Alex Calheiros, diretor do Museu da Inconfidência, "se manifestou pelo interesse e reabrimos o processo que novamente segue um fluxo processual e tem exigências, entre elas, o seguro". Ele informa que a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) e o Museu da Inconfidência têm feito as tratativas. Mas isso demanda tempo. "Ambos estão interessados na cessão temporária do bem", garante.