A coluna sempre foi fã do “Show Medicina”, com esquetes apresentadas no palco nos finais de ano por estudantes do curso de medicina da UFMG. O grande barato é justamente este: alunos de uma área que nada tem a ver com artes cênicas criam espetáculos com a mesma maestria com que lidam com bisturis.
O show comemorou seus 70 anos com duas apresentações, no final da semana passada, no Teatro Sesiminas, em BH. A criação e apresentação ficam a cargo do Grupo Teatral Acadêmicos Amestrados (Grutaa), formado por universitários. Além da performance crítica e bem-humorada, as cenas com luz negra, número criado há 30 anos e apresentado entre as trocas de cenário, fazem a plateia vibrar.
PATROCÍNIOS
Entre os alunos e as trupes de teatro há um ponto em comum. Para colocar o show em pé, é preciso passar o pires. A UFMG apoia a iniciativa, disponibilizando espaço para ensaios e construção do espetáculo. Cabe aos universitários correr atrás de patrocínios para bancar os custos.
“O grupo é formado por estudantes de diferentes anos. Todos que se interessarem podem aderir, por meio da Entrada de Calouros do 'Show Medicina', no início de ano”, conta Jemima Sant’Anna, médica clínica e cardiologista, que fez parte da diretoria-geral do espetáculo e foi diretora da Luz Negra. As apresentações da semana passada foram especiais devido à efeméride dos 70 anos. Outra edição inédita está prevista para 7 a 9 novembro, no Minascentro.
EM 1954
A coluna ouviu Jota Dangelo, de 92 anos, homenageado no show por ser um de seus criadores. Ele contou como tudo começou. “Em 1954, o Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina da UFMG decidiu fazer uma semana cultural e chamou-me para participar da aventura, que não era muito comum nas entidades da universidade”, disse. "Na época, eu cursava o quinto ano do curso de medicina e me formaria no ano seguinte. Na cátedra de anatomia pontificava o professor Liberato Di Dio, que, vindo do corpo docente da USP, havia, recentemente, brilhado no concurso para a cátedra de anatomia da Medicina da UFMG”, rememorou.
TEATRO UNIVERSITÁRIO
Conversando com o professor Di Dio, Dangelo ficou sabendo que alunos da Faculdade de Medicina de São Paulo costumavam fazer um espetáculo teatral, chamado “Show Medicina”, brincadeira com as matérias do curso, tratadas com humor e cenas absurdas. “A ideia ficara dentro de mim”, revelou.
“Naquela época, nas minhas horas vagas, eu, Carlos Kroeber, João Marschner, Neuza Rocha e Firmino de Almeida, entre outros comparsas, lutávamos pela criação do Teatro Universitário, na verdade um curso de formação de atores mantido pela UFMG. Juntei as duas coisas: o relato do professor Di Dio e o desejo de ver o Teatro Universitário existir. Foi assim que começou o 'Show Medicina', que já dura 70 anos. Programado, criado, escrito, inovado e encenado pelos alunos da Faculdade de Medicina da UFMG, é um fato inusitado em todo o território brasileiro”, orgulha-se o médico e teatrólogo mineiro.
ANGELO MACHADO
Dangelo prossegue: “No ano seguinte à estreia do 'Show Medicina', 1955, o professor Angelo Machado, com seu talento teatral inusitado, juntou-se a mim. Por mais de 10 anos ficamos à frente do empreendimento, produzindo os textos, dirigindo-os e, mais, interpretando-os com a turma, como nós dois, de atores improvisados. Bom, muito bom que o 'Show' tenha continuado por todo esse tempo, graças ao talento natural, vontade, disposição e entusiasmo dos alunos da Faculdade de Medicina da UFMG.”
OSCARVEIRA
Na edição deste ano, uma caveira diferente (maior e colorida) homenageou Jota Dangelo, que ganhou a Oscarveira comemorativa. O homenageado da noite não foi ao Sesiminas. Ficou em São João del-Rei, sua terra natal, para acompanhar a apresentação dos filhos no centro cultural que dirige na cidade histórica.
“Ele está com 92 anos, absolutamente lúcido e ativo. Não está aqui (no Sesiminas) por uma coincidência de datas”, afirmou o médico e dramaturgo Jair Raso, que representou o amigo na festa. “Ele mandou um grande beijo para vocês. Mantenham esta chama acesa, o 'Show Medicina', maravilhoso como vocês sempre fizeram”, disse Raso aos universitários, sob aplausos.