Quinzenalmente, até outubro, o cinema nacional ganha destaque em Belo Horizonte com a 24ª edição do Festival Curta Circuito, em cartaz às terças-feiras. Dentro do tema “Transgressoras brasileiras do cinema”, serão exibidos quatro curtas e sete longas dirigidos por mulheres no período da ditadura militar. A abertura, na última terça-feira (23/7), no Cine Humberto, foi com o filme “Parahyba, mulher macho”, de Tizuka Yamasaki.

 

O longa conta a história de Anayde Beiriz (Tânia Alves), professora libertária do começo do século 20 que se apaixonou por João Dantas (Claudio Marzo), o assassino de João Pessoa (Walmor Chagas), então governador da Paraíba.O crime foi o estopim para a Revolução de 1930. O ponto alto do festival é o bate-papo de atores, diretores e produtores com o público, após a exibição do longa da noite. O convidado sempre tem boas histórias para contar.

 



 

Produção independente

 

Na época de seu lançamento, “Parahyba, mulher macho” levou mais de 1 milhão de espectadores aos cinemas – plateia estrondosa para os anos 1980 – e ganhou prêmios nos festivais de Brasília e Havana. No Cine Humberto Mauro, Tizuka confessou que era a primeira vez, depois de décadas, que assistia ao próprio filme. “Não o via há uns 40 anos. E achei muito ingênuo”, revelou. Disse que tinha 33 anos na época, acabara de ter um filho no esquema de produção independente. O bebê, aliás, acompanhou a mãe e fez uma ponta no filme, no colo da babá.

 

 

 


Tizuka contou que, nos anos 1980, não se dizia feminista e tampouco se interessava pelo tema. “Nasci num matriarcado, nunca me ensinaram que o mundo era dos homens. Entrei no mundo como se tivesse todos os direitos”. No caminho de Confins para o hotel, em Belo Horizonte, ela reconheceu que já exercia a vida feminista.

 

 

Cria do Cinema Novo

 

A diretora lembrou o início de sua carreira. Mesmo se considerando cria do Cinema Novo, Tizuka preferiu outro caminho para sua obra. “Fiz alguns filmes com Nélson Pereira (dos Santos), fui aluna dele. Trabalhei com Glauber (Rocha), fiz um documentário com ele”, citou, lembrando ter participado da criação da revista independente Luz e Ação, cujo editor-chefe era Nelson Pereira dos Santos. “Eu não gostava de 'Deus e o diabo' (‘na terra do sol’, filme de Glauber Rocha). Olha que absurdo!”, comentou, em tom de autocrítica.

 

“Achava que era tudo muito teórico. Mas gostava dos filmes do Nelson, que fazia um cinema afetivo. Eu não tinha cabedal, estofo, para fazer filme político. Era menina, tinha 23 anos. Mas achava que poderia fazer cinema de emoção, do qual o Cinema Novo não gostava. Achava a emoção piegas. A minha sorte, acho que foi luz de Deus, é que meu primeiro tema foi sobre imigração japonesa”, comentou. Ela dirigiu “Gaijin – Os caminhos da liberdade”, lançado em 1980.

 

Cineasta de carteirinha

 

Quando lançou “Parahyba, mulher macho”, Tizuka não precisava mostrar nada a ninguém. “Já tinham aceitado minha carteirinha de cineasta”, brincou, lembrando o grande sucesso de “Gaijin”. No bate-papo com a plateia, mediado pela crítica Alcilene Cavalcanti, Tizuka contou que naquela época não tinha relação com as diretoras.

 

“Gostava mais de me relacionar com homens que com as mulheres. Achava os homens mais diretos. Me sentia muito bem com rapazes, me vestia meio como menino: calça rancheira, tênis conga, camiseta branca e cabelo curtinho. Era um menino. Não era homossexual, mas andava como se fosse. Talvez fosse a fantasia para buscar espaço para que eu, mulher, fizesse alguma coisa. Posteriormente, depois que fui mãe, me aproximei das mulheres”.

 

Uísque falsificado

 

Ao contar histórias do set de “Parahyba, mulher macho”, a diretora lembrou a situação envolvendo Claudio Marzo, que morreu há nove anos, e fazia par com Tânia Alves. O ator chegou ao set dando esporro, dizendo que a kombi que o levaria para a gravação não apareceu. Tizuka descobriu que o problema foi o porre de uísque falsificado que Claudio tomou, o que lhe rendeu uma bela ressaca. Na verdade, a kombi havia ido buscá-lo.

 

Durante as filmagens daquele dia, o ator rodou a baiana, ameaçando denunciar ter trabalhado mais de oito horas ao sindicato. “Meu sangue subiu. Disse que ele não denunciaria para sindicato nenhum, porque não estávamos ali fazendo filme para sindicato. Estávamos fazendo filme de arte, e as pessoas que ali trabalhavam estavam comprometidas com o filme. Eu era muito brava naquela época. Ele afinou e fez a cena maravilhosamente bem”, contou Tizuka.

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