Café (à esq), mineração e Nova York - turismo em país de commodities tem espaço? -  (crédito:  Montagem/ Isabella Ricci/ Pixabay)

Café (à esq), mineração e Nova York - turismo em país de commodities tem espaço?

crédito: Montagem/ Isabella Ricci/ Pixabay

O Brasil, historicamente, teve sua economia desenvolvida a partir de atividades extrativistas. Foi assim com o ciclo do ouro, do diamante e mais recentemente com o minério de ferro. O agronegócio também é forte no país e garante um grande giro econômico. Mas, pensando no futuro e em outros motores econômicos, existe espaço para o turismo em um país de commodities?

 

Na bolsa de valores do Brasil (B3), as atividades econômicas de mineração e agronegócio, representadas por gigantes como Vale e JBS, destacam-se pela sua robustez e capacidade de gerar receitas substanciais, impulsionadas pela demanda global por commodities e produtos agrícolas. Essas empresas frequentemente se beneficiam de uma infraestrutura consolidada e de exportações significativas, que lhes conferem resiliência em períodos de instabilidade econômica.

 

Em contraste, o setor de turismo, com empresas como CVC e Gol, tende a ser mais vulnerável às flutuações econômicas internas e externas, como variações cambiais, crises políticas e eventos globais, como a pandemia do COVID-19. Enquanto mineração e agronegócio são pilares tradicionais da economia brasileira com forte desempenho nas exportações, o turismo depende mais da confiança do consumidor e da estabilidade econômica para prosperar, refletindo desafios distintos em sua presença na B3. O que temos mais controle, enquanto profissionais do setor, é sobre a confiança do consumidor. Esta confiança está diretamente ligada à nossa atuação técnica e profissional no turismo.

 

 

Comparando, por exemplo, as empresas de turismo listadas nas bolsas de valores de São Paulo (B3) e Nova York (NYSE), essas refletem diferentes dinâmicas econômicas e estratégias de mercado. Na B3, a CVC e Gol enfrentam desafios relacionados à volatilidade econômica do Brasil, com oscilações cambiais e incertezas políticas afetando diretamente seus resultados. Em contraste, na NYSE, gigantes como Expedia e Booking Holdings beneficiam-se de uma base de clientes mais diversificada globalmente e de um ambiente econômico mais estável, o que lhes permite explorar inovações tecnológicas e expandir sua presença global com mais facilidade.

 

No turismo tentamos ter discussões já em pauta no cenário internacional, mas o fato é que ainda não fazemos o mínimo. Por exemplo, é claro que as políticas internas de ESG e a “indústria” da criatividade são fatores importantes para o desenvolvimento do turismo mais sustentável. Mas antes disso, estamos fazendo o dever de casa mercadológico para conquistar a confiança do consumidor nas entregas básicas? A grande maioria dos empreendimentos do turismo, que são pequenos e médios, consegue atuar de maneira competitiva no mercado tal qual as grandes empresas do setor que figuram nas bolsas de valores? Infelizmente, a resposta é não!

 

O Brasil tem uma potencialidade turística enorme, mas se deita na fama de um povo hospitaleiro e paisagens deslumbrantes. Entretanto, não sabemos negociar no setor, pois a grande maioria não sabe sequer construir um tarifário e segue sempre jogando a responsabilidade no setor público. Que, falemos a verdade, tem lá suas culpas sim, mas cadê a oposição de fato baseada em argumentos técnicos?

 

 

Neste cenário, temos um país com grande potencial, mas pouca competitividade no cenário interno e internacional. Para ilustrar melhor, no ano passado o Brasil recebeu 6 milhões de turistas estrangeiros. Entretanto, os brasileiros figuram entre os “Top 5” de turistas que vão para a cidade de Nova York, mesmo com o dólar ultrapassando a casa dos R$5,60, ficando atrás apenas do Reino Unido, Canadá e França -todos com a economia melhor do que a nossa.

 

De acordo com o NYC Tourism + Conventions, só em 2023 apenas a cidade de Nova York recebeu mais de 637 mil turistas brasileiros, de um total de 62.2 milhões de turistas na cidade, sendo 11.6 milhões nacionais e 50.6 milhões internacionais. Isso significa um impacto de 74 bilhões de dólares na economia, gerando mais de 6 bilhões de dólares para a cidade em taxas e impostos e 380 mil empregos gerados. Na cidade que é o coração financeiro do mundo e que lida com diversas atividades econômicas, o turismo é reconhecido como uma das principais e é levado a sério.

 

 

E não adianta querer culpar um ou dois no setor do turismo no Brasil, essa culpa é compartilhada e sistêmica! Em primeiro lugar não discutimos nossas deficiências publicamente, estamos sempre enaltecendo nossas qualidades, mas não “lavamos nossa roupa suja” em nenhuma ocasião oficial. Temos grandes profissionais com perspectivas importantes para o setor, mas que não se posicionam publicamente. Como não falamos, deixamos passar grandes discussões e ações que alavancariam o turismo no Brasil. Não falamos do nosso grande problema, a conectividade aérea e suas tarifas.

 

Além disso, políticas públicas fracas e sem continuidade, cargos negociados sem levar em conta o conhecimento técnico, licitações que levam em conta apenas o preço e não consideram o serviço de alta qualidade em um sistema que com medo da corrupção (que é sim válido), acaba colocando de lado os melhores profissionais que temos por aqui. E ainda, tributação alta em um país que não oferece o mínimo para que a atividade turística aconteça tranquilamente, como segurança e transporte.

 

Por fim, empreendedores que não entendem do mercado, com o sonho da aposentadoria e uma pousadinha no interior com cara de férias eternas comprometeM em muito o profissionalismo do setor.

 

E a cereja do bolo, a pouca promoção e divulgação. Porque não adianta sonhar em estruturar para depois promover e comercializar, tem que caminhar junto. Afinal, estamos falando de economia!

 

Existem sim turistas brasileiros e estrangeiros dispostos a desbravar o Brasil, apesar de todas as dificuldades. Mas eles precisam conhecer o que há para se fazer por aqui, e isso só a promoção em larga escala consegue. Sabe a história da Maria que amava João, que amava Clarice, que amava Pedro que não amava ninguém? No turismo seria algo do tipo: o turista que queria conhecer uma cidade que a agência de viagens não conhecia, então tentou conhecer, mas não tinha hotel, então alguém disse para procurar na cidade do lado, porém o hotel de lá não sabia negociar, mas indicou um museu super bacana na cidade para justificar a viagem, mas o lugar não abria sábado e domingo, aí o turista desistiu e foi para o exterior. Esse ciclo se repete diariamente por aqui e não se engane, é responsabilidade de toda uma cadeia.

 

Claro que precisamos valorizar o que temos de melhor, mas não podemos nos acomodar em nossas qualidades enquanto o setor do turismo no mundo caminha a passos largos. É preciso entender a competitividade do setor não apenas (mas também) em números frios, mas como gerador de emprego e qualidade de vida. E isso só irá funcionar se, e apenas se, toda cadeia profissional do turismo entender o setor como motor econômico e destinar investimentos tal qual se faz em outros setores. Obviamente entendendo que investimentos precisam necessariamente de retorno.

 

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