"Inferninho". Foi dentro de um táxi, na ponte Rio-Niterói, que Natasha Félix (poeta) me contou que essa é a tradução mais próxima da gíria angolana "Apupú", que dá nome ao trabalho dela "Apupú - onde os corpos vibram" e que, literalmente, coloca o poema para rebolar. Assim, ao vivo. E me deixa obcecada. Eu, que amo falar, ouvir e pesquisar sobre corpos e literatura - essa coluna que você lê, inclusive, nasceu dessa obsessão - fiquei encantada com a possibilidade de sim, ver o poema atravessar o corpo e contagiar o público nisso que podemos traduzir como "inferninho".
O "inferninho" talvez aconteça nesse vazio, entre o movimento do corpo e a absorção do poema dito sobre uma batida. Talvez o "Apupú" seja justamente esse intervalo. E é sobre isso que nesta sexta-feira (20), a artista santista que atualmente vive no Rio de Janeiro vai apresentar nas mineiras terras de Poços de Caldas (MG). "Onde os corpos vibram" chega ao palco da Mostra Integrada de Artes (MIA), numa apresentação única, com a poeta ao lado do dj angolano Joss Dee.
A ideia é colocar o corpo para jogo e desafiar o que está posto. É jogar com corpos dissidentes que se misturam em locais não prováveis. É dessacralizar a literatura e colocá-la não somente aos pés da comunidade, mas em praça pública, dançante, celebrante, provocativa, ruidosa. É transformar um prédio público centenário em palco da cultura urbana, misturada com a cultura caipira, com as periferias do mundo. É fundir Angola e Brasil numa gíria única. E numa ginga singular. É viver no limite, cada vez mais, da insanidade e ausência de restrições. É tensionar os limites e deixar, cada vez mais rente, as proibições. É o alargamento da palavra. Como diz Natasha, no próprio show: “é quase fazer com que nossos mortos voltem”.
A pista quente é o baile ferve. Inferninho. Com destreza, ela brinca com as palavras como quem as mastiga, saboreia e devora. Cada uma está ali por um motivo. E enchem a boca de quem ouve. De desejo, dança, vontade. O poema que não só emociona. Mas muda os corpos que os experimentam. Apupú é o inferninho que cruza o corpo todo. E a cidade toda. E os corpos encantados nas ruas da cidade.
Apupú é a tradução do “rebolar com o livro na mão”. Mas não só. É trilhar o caminho de dançar o poema. O sentimento. O coração da cidade ritmado no compasso do vazio de cada um. Infernal. E bonito demais para deixar passar batido. Volto a dizer: estou obcecada. E quem não for, vai perder o Apupú! Vem, pra onde os corpos vibram.
Sobre a MIA: outros centros, outros corpos, uma festa na rua
Aqui, vale dizer também sobre a MIA (Mostra Integrada de Artes) que chega à 6ª edição e acontece de 19 a 22 de setembro em Poços de Caldas, com a realização de atividades culturais gratuitas no Museu Histórico e Geográfico, as Thermas Antônio Carlos e o Mirante Santa Rita, além de after no Santa Ruah.
Sob o tema "Outros Centros", e seguindo seus eixos curatoriais – Música, Visualidades, Performance e Literatura – a Mostra celebra as periferias culturais, os espaços e as vozes que, embora fora dos holofotes tradicionais, são pulsantes em criatividade e resiliência. Artistas da cidade, da região e de outras localidades são destaques na programação, emergindo como um convite à redescoberta, propondo um deslocamento dos olhares, das narrativas e das geografias.
O destaque na programação é o videomapping na histórica fachada das Thermas Antônio Carlos, que nos últimos anos a MIA tem feito desta uma experiência inesquecível para Poços de Caldas, onde a projeção transforma o prédio num verdadeiro palco de luz e arte. Neste ano, a arquitetura se torna a tela para imagens que contam as histórias do povo e dão protagonismo para a cultura regional. A ação conta com a participação do VJ Bah e projetores da On Projeções, que desenvolvem ações em importantes eventos no Brasil.
Na programação, os shows inéditos na cidade de Natasha Felix, Cecília Cecilina, Capitu (formado por Graziê e Pamela Mel) e João Vitor Junqueira & Pedro Lopes prometem conectar música, poesia e performance. Já o artista Matuto S.A. traz uma mistura dos acordes da viola caipira com as poesias e batidas de ritmos urbanos como o Rap, Reggae, Jazz e Funk.
Outra novidade é a parceria com o Palco Sesc que oferece o show Ritmos de São Benedito, proposta exclusiva que conta com a participação de integrantes de diferentes Ternos de Congos da cidade, para celebrar as tradições de São Benedito e valorizar o festejo mais significativo e tradicional de Poços de Caldas, no Sul de Minas, apresentando canções que atravessam gerações e representam a fé e resistência.
A parceria com o projeto Discobertas / Disco Fest traz a cultura dos DJs para a Mostra, sejam com discos de vinis ou com as modernas controladoras eletrônicas, a proposta busca celebrar a diversidade da discotecagem e criar oportunidades para DJs apresentarem suas pesquisas sonoras. Ao longo dos quatro dias, diferentes artistas se apresentam na programação, oferecendo uma experiência única de música, arte e cultura.
O podcast #Rabiscos traz escritores premiados para compor a programação literária da MIA, com a presença de Leonardo Piana, Jéssica Balbino, Tadeu Rodrigues e Maria Mello, onde narrativas e experiências à margem no interior são temas das rodas de prosas da Mostra, que também terão acessibilidade em libras.
Assim, a MIA Outros Centros convida o público a fazer parte dessa jornada, descobrindo os centros invisíveis que nos cercam e a ser testemunha da potência criadora que emerge da diversidade.
A MIA é realizada pela Carvalho Agência Cultural e conta com a parceria dos projetos culturais Discobertas / Disco Fest, Cine Fricção e Margens, além do Podcast Rabiscos e Santa Ruah. Na sua programação tem ações viabilizadas pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura e pela Chamada Pública Municipal de Patrocínio para Projetos Culturais, contando com o incentivo cultural da Alcoa e Hotel Village Inn, patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura de Poços de Caldas, apoio do Sesc Poços de Caldas, Codemge, Hotel San Thiago e Joia Hotel. A equipe à frente da proposta é formada por Chiara Carvalho (direção geral e curadoria), Paulo Tothy (direção de arte, curadoria e comunicação), Jéssica Balbino (curadoria literária), Alyson Dias (produção), Yas Colares (arquiteta), Mateus Augusto e Thiago Silva (assistentes de produção).
PROGRAMAÇÃO MIA 2024 - OUTROS CENTROS
Sexta-feira - 20 de setembro
Local: Praça das Thermas Antonio Carlos
18h - Abertura com os ogãs Augusta Clementino e Leonardo Augusto
18h15 - Manacás (DJs Maroca e Isadbob) - oferecimento Disco Fest / Discobertas
19h15 - Cecília Cecilina apresenta o Canto dos Sapos com Rikixi e Nã Maranhão
20h15 - DJ Wenu - oferecimento Disco Fest / Discobertas
21h30 - Natasha Felix apresenta Apupú
Visualidades com VJ Bah (mapping na fachada do prédio)
After no Santa Ruah (Rua Rio de Janeiro, 430, Centro)
DJ Wenu e DJ Maroca
*a partir das 23h com entrada vip para 50 primeiras pessoas
Sábado - 21 de setembro
Local: Praça das Thermas Antonio Carlos
16h30 e 18h - DJ Ana Selecta - oferecimento Disco Fest / Discobertas
17h - Roda de Prosa com Leonardo Piana e Tadeu Rodrigues - oferecimento #Rabiscos
18h45 - Palco Sesc apresenta Ritmos de São Benedito (com representantes dos Ternos de Congos de Poços de Caldas)
20h45 - DJ Spin - oferecimento Disco Fest / Discobertas
21h30 - Matuto apresenta Regional Beat
Visualidades com VJ Bah (mapping na fachada do prédio)
After no Santa Ruah (Rua Rio de Janeiro, 430, Centro)
DJ Day, DJ Mancha e DJ Leo Antunes
*a partir das 23h
Domingo - 22 de setembro
Local: Mirante Santa Rita
Exposição ‘Ser Tão Quebrada no Caos’ de Tamiris Alves
14h30 - Discotecagem SodaDisco (Talita Marine e Leo Zaneti) - oferecimento Disco Fest / Discobertas
15h15 - Capitu - Graziê e Pamela Mel apresentam reCAPITUlar
16h - Roda de Prosa com Maria Mello e Jéssica Balbino - oferecimento #Rabiscos
17h - João Vitor Junqueira & Pedro Lopes apresentam Frente a Frente
Mais detalhes da programação estão disponíveis neste site.