Muita gente preconceituosa e/ou sem conhecimento inicia discussões sobre pessoas LGBTI+ com frases como “antigamente não era assim”, “antes não tinha tanto gay e lésbica”, “esse negócio de trans é coisa dessa geração nova”, entre outras falas que tentam usar a história como argumento, mas que são completamente equivocadas, sem lastro na realidade, e somente são ditas (sem fonte alguma) como justificativa para manterem um ambiente tóxico e práticas discriminatórias. Sabemos, afinal, que a história da diversidade sexual e de gênero é tão antiga quanto a história da humanidade.
Contra a desinformação, a melhor estratégia é estar munido de informações, de fontes sérias, para que essas pessoas parem para refletir, aprendam algo diferente do que têm reproduzido ou, no mínimo, fiquem constrangidas em manter seus discursos de ódio ou falas ignorantes, visto que a pessoa com quem dialoga mostra ser muito mais bem informada que ela. Eu mesmo já passei por várias situações assim. Algumas vezes essas pessoas parecem começar a refletir porque eu fui a primeira pessoa a levar uma informação baseada em fatos para ela.
O caso da falta de informação
Um exemplo de pessoa sem informação foi quando a minha avó, uma senhora que na época já tinha mais de 85 anos, muito religiosa. Ela tomou coragem para me dizer que não entendia porque eu, um neto que ela considera tão inteligente, fez essa “opção por ser homossexual”. Eu dei a ela, de forma calma e didática, a explicação sobre o que é orientação afetivo-sexual, sobre como a sexualidade é simplesmente percebida em nossas vidas e não escolhida. Expliquei como sempre existiram pessoas LGBTI+ no mundo, que isso só não era falado abertamente durante a juventude dela. Perguntei a ela se não existiam boatos sobre homens gays e mulheres lésbicas em sua juventude. Ela lembrou de alguns casos.
Em seguida, perguntei se ela escolheu a própria sexualidade heterossexual ou se somente se percebeu com a sua sexualidade. Ao responder que ela apenas se percebeu heterossexual, perguntei se não faz sentido que meu processo tenha sido parecido com o dela, apenas me percebendo homossexual, sem ter um momento de fazer escolhas. Ela na hora entendeu e disse que ninguém nunca tinha explicado isso a ela. Tudo resolvido e nunca mais a ouvi fazer um comentário do tipo.
O caso da discriminação proposital
Um outro exemplo, agora de pessoa bem informada e propositalmente discriminatória, foi de um fornecedor de uma empresa para a qual eu trabalhei no início da minha carreira. Sabendo que sou gay, ele fazia questão de disparar muitas falas LGBTI+fóbicas na minha frente. Nunca fazia isso falando diretamente para mim, mas para pessoas que estavam conosco, na minha frente, obviamente de maneira proposital. “Agora tudo quanto é lugar tem viado, mas prefiro que não tenha na minha equipe porque senão nem vou poder fazer piada”, é um tipo de fala que escutei naquele espaço de trabalho. Como eu ainda não ocupava cargos de liderança naquela época, esse líder da empresa fornecedora sentia que poderia usar esse tipo de violência comigo, sem nenhuma consequência em sua relação com a empresa contratante, onde eu trabalhava.
O que eu fiz? Na primeira vez fiquei surpreso e sem reação. Na segunda, triste e pensativo, já imaginando que aquilo voltaria a acontecer. Na terceira, eu já tinha refletido e criado coragem: dei uma mini-aula sobre Direitos LGBTI+ para os funcionários daquela empresa fornecedora, na frente de seu líder preconceituoso. Falei também na frente das mesmas pessoas que LGBTI+fobia (ainda não criminalizada na época) era um tipo de violência, que a empresa em que eu trabalhava tinha uma política antidiscriminação e que se eu ouvisse mais algum tipo de comentário assim eu faria uma denúncia interna contra aquele fornecedor. Pronto: nunca mais ouvi um comentário do tipo, afinal, ele não queria perder o cliente.
Cerca de 5 anos depois, voltei a encontrar esse fornecedor em outra empresa. Tinha se tornado uma pessoa com boas noções de respeito e inclusão e descobri que foi ele quem havia me recomendado como consultor de Diversidade e Inclusão para essa nova empresa. Descobri que após tudo o que eu falei, ele teve algumas conversas sobre o tema com a sua esposa, depois passou a prestar mais atenção em notícias e discussões sobre inclusão. Houve um amadurecimento e abertura, passo a passo, mas a mudança foi perceptível.
Talvez aquele enfrentamento que eu fiz tenha plantado alguma sementinha? Informação e tempo parecem ter ajudado a resolver até esse caso mais grave. Obviamente, não são todas as pessoas que estão dispostas a aprender e mudar o seu próprio comportamento.
Importante: somente faça esse tipo de intervenção se sentir segurança. Em qualquer situação com risco de violência, principalmente física, é melhor evitar discussão e buscar apoio em um lugar que gere sensação de segurança.
Em outros casos, quando fazemos intervenções como as que relatei, a pessoa somente desconversa quando é confrontada com informações porque não quer refletir, mas mesmo nesses casos, se temos boas e sólidas informações, a pessoa geralmente é incapaz de continuar seus discursos discriminatórios porque sabe que não tem nada relevante para defender seu ponto. Mesmo nessas situações de encontros com pessoas que parecem não estar dispostas a refletir, considero bom trazer argumentos porque, no mínimo, a pessoa pode parar de proferir ódio. Quem sabe a vergonha intelectual que ela passa durante o diálogo a faça parar de falar esse tipo de coisa com outras pessoas?
Convido vocês a estudarem mais sobre inclusão e sobre a história das pessoas LGBTI+ para que possamos fundamentar nossos argumentos. Vejam também aqui o histórico das minhas colunas, assim como os meus próximos textos, pois vou sempre trazendo dados e fontes confiáveis que ajudam nessa fundamentação.