“Eu respeito todas as opções sexuais", “essa é a escolha da pessoa” ou “a pessoa pode ser o que ela quiser ser”, são algumas frases ditas até mesmo por pessoas com a boa intenção de respeitar as outras, mas há um problema nesses discursos e vale a pena a gente aprimorar a maneira de falar sobre orientações afetivo-sexuais e identidades de gênero.

A pessoa não é o que ela “quer ser”, ela simplesmente é quem ela é.

Ela também não faz uma opção. Não existe o ato de escolher a sexualidade como se estivesse em uma loja podendo escolher qual entre várias orientações possíveis ela vai levar para a vida a partir de agora. Por isso, não se usa o termo opção sexual, mas orientação sexual ou orientação afetivo-sexual. Inclui-se a palavra “afetivo” porque quando falamos desse tema, não estamos discutindo apenas sexo, mas também relações afetivas, românticas, construção de famílias etc.

É importante evidenciar que, na maioria dos casos, é doloroso esse processo de entendimento de que se tem uma orientação afetivo-sexual que foge da heteronormatividade (a norma social que impõe que todas as pessoas sejam heterossexuais), tendo em vista que a sociedade é repleta de preconceitos e discriminações, gerando o medo do ódio e da não aceitação.

A sexualidade se impõe às pessoas. Se você, que lê esse texto, é heterossexual, pense na resposta a esta pergunta: em que momento da sua vida você pensou "eu tenho desejo por todas as pessoas, todos os gêneros, mas vou optar por ser apenas heterossexual a partir de hoje?”. Não houve esse momento de escolha, certo? Você simplesmente foi crescendo e se percebendo, descobrindo o seu desejo por pessoas do sexo oposto, correto? Se a orientação heterossexual é naturalmente percebida na vida de quem é hétero, porque a bissexualidade, a homossexualidade e outras possibilidades de desejos e orientações afetivo-sexuais seriam diferentes para as outras pessoas? Todas são assim também, naturalmente percebidas à medida em que vamos crescendo e entendendo quais desejos temos e quais não temos.

Agora, se você respondeu que houve esse momento de escolher ser heterossexual, mesmo sentindo desejo e orientação romântica por outros gêneros, aí tenho uma notícia: você não é heterossexual, apenas não vive sua sexualidade de forma livre e autêntica.


Heterossexualidade compulsória

Para melhor compreensão dessa discussão, é importante também discutir a heterossexualidade compulsória. Esse termo, cunhado pela professora estadunidense Adrienne Rich, explica que a sociedade já pressupõe que todas as pessoas são heterossexuais, como se essa fosse a única orientação afetivo-sexual possível, que as pessoas têm que ser heterossexuais e, caso não sejam, existe algo de errado.

Essa heterossexualidade compulsória pode ser observada desde a primeira infância, pois as famílias já criam expectativas de que seus filhos sejam heterossexuais e cisgêneros. Eu me recordo que aos 5 anos de idade, obviamente sem compreender bem esses assuntos, eu já entendia que fugia dessa norma e que precisava mentir para não frustrar meus familiares.

Tenho uma forte lembrança de, nessa idade, no jardim de infância, minha família perguntar se eu gostava de alguma menina da minha turma (afinal, a heterossexualidade era compulsória para eles) e eu já sabia que tinha que mentir. Eu dizia que gostava de uma menina chamada Karina, mas eu gostava mesmo era de um menino chamado Leandro.

Veja que absurdo: uma criança de 5 anos já entendendo que precisava mentir para não sofrer homofobia, para não parecer estranho e ser rejeitado. Você pode até achar que isso é muito cedo, mas é real e eu conheço outras histórias de pessoas que se entenderam gays tão cedo quanto eu. Outras pessoas, obviamente, têm esse entendimento mais tarde, mas geralmente ainda na infância ou adolescência.

Esse assunto estende-se também ao que diz respeito à cisnormatividade, pois com uma lógica muito parecida, a sociedade também entende que todas as pessoas são cisgênero e que há algo errado se a pessoa for transgênero. Esse pensamento é uma das bases da transfobia.

Piadas e comentários preconceituosos, alguns mais sutis e outros mais explícitos, assim como outras violências cotidianas no ambiente de trabalho, nas famílias, nas igrejas e na sociedade de forma geral, partem do pressuposto de um lugar "universal e normal" da heterossexualidade, da cisgeneridade e do lugar “anormal” em que colocam as pessoas LGBTQIAPN+. Desconstruir esses falsos conceitos de normalidade e anormalidade ajudam a construir ambientes mais saudáveis, seguros e sem preconceito para todas as pessoas.

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