No último sábado (09/12), sob o sol do Senegal de Belo Horizonte, fui visitar a 11ª edição da feira de arte Junta. O evento não tem nenhum tipo de fomento e visa dar visibilidade a artistas independentes, ou seja, sem representação de galerias de arte. Chegando no bairro Bonfim, único da capital com mais gente morta do que viva, por ter o cemitério mais antigo da cidade, levei um susto: um homem com a blusa do Flamengo que parecia fora de si pulou na frente do carro. Não vou falar meu time para não parecer perseguição de atleticana.

Mais à frente, o desafio de subir com um carro 1.0 nos morros do Bonfim. A inclinação das ruas é digna de um bairro fundado em uma época em que automóveis eram exceção em Belo Horizonte, ainda mais em uma região de trabalhadores fora da Avenida do Contorno. O Bonfim tem ar mórbido - com várias casas em estilo Art Déco abandonadas e vista para o cemitério, que é quebrado temporariamente pela vida pulsante do Junta. No galpão que serve de ateliê para os artistas Sérgio Machado e Francisco Nuk, as obras de arte podem ser vistas e compradas em contato direto com alguns dos participantes.

A escolha expográfica dos curadores Flaviana Lasan, Comum e Thiago Alvim, - que são também artistas que, merecidamente, têm crescido na cena mineira nos últimos anos - me gerou um incômodo inicial. As paredes ficam lotadas de obras: uma ao lado da outra, uma em cima da outra, uma colada na outra. Claustrofóbica como sou, fiquei quase sem ar com tantos trabalhos e tanta informação junta, que dificulta a observação de cada obra individualmente. Ao mesmo tempo, é muito divertido porque te motiva a dar várias voltas no salão e, a cada caminhada, descobrir uma nova obra que você vai se perguntar se já estava ali ou não. Essa disposição é, talvez, a única forma dos organizadores darem conta do plano ousado de expor 50 artistas e mais de 500 trabalhos em um espaço limitado.

Entre meu ir e vir que durou horas, duas obras em especial me chamaram a atenção: xodaum2, de Bruno Amon, e Pérolas Improváveis, de Benedikt Wiertz. Ironicamente, um deles é um artista em início de carreira, e o outro soma mais de 40 anos no mundo da arte.

O jovem designer Bruno Amon iniciou sua carreira artística em 2020 a partir da série de pinturas de composições geométricas abstratas Sunbanza. A obra xodaum2, que representa um homem careca com um olhar intrigante direcionado para o lado, um lugar que o espectador não vê, traz um ar de mistério para essa pessoa que se divide em duas sombras. As pinceladas suaves de Amon dão expressão e movimento sem formar camadas grossas de tinta, como uma pintura que foi feita rapidamente de um momento corriqueiro. O designer conta que a inspiração veio da fotografia de um amigo após ver um filme que o levou a refletir sobre personagens sociais: “enxerguei todos esses dilemas propostos no filme na sombra do Daniel, que era projetada na parede, criando novos rostos, novas projeções dele”, descreve Amon.

xodaum2 (2023), de Bruno Amon

Bruno Amon

Benedikt Wiertz usa como principal linguagem artística a cerâmica e faz experimentações com forma, textura e esmalte. Na série Pérolas Improváveis, o artista se inspira no Barroco, movimento artístico caracterizado pela expressividade e pelo dualismo. A obra de Wiertz parece refletir uma opulência em decomposição, com diversas camadas se dissolvendo, mas uma pepita de ouro permanecendo em pé, no topo, criando um contraste entre os materiais. O artista iniciou sua carreira de forma autodidata em 1979, na Alemanha, sua terra natal. No Brasil, foi professor de cerâmica na Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e já expôs em espaços como Palácio das Artes, Itaú Cultural e Sesc Palladium. É um dos poucos participantes da Junta representado por galeria e talvez o mais experiente. “Acho ótimo e uma honra poder estar junto a tantos artistas incríveis. E gostei do espírito coletivo e solidário desse evento”, afirma Wiertz.

Pérolas Improváveis, de Benedikt Wiertz

Lorena Marcelino

Importância do circuito independente de arte de Belo Horizonte

Rachel Cecília de Oliveira, filósofa e professora da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca que o mercado de arte de Belo Horizonte é muito pequeno e restrito a poucos colecionadores, e que o Junta é uma iniciativa importante por circular arte entre outros públicos, como o hipster e o ligado à cultura belorizontina. “O Junta tem um objetivo que a arte não tem que ser, necessariamente, glamourosíssima e pode ser acessível, até mais barata que um print da Leroy Merlin”, conta Oliveira.

Com preços entre R$ 40 e R$ 20 mil, o Junta é uma feira de contrastes, com artistas de diferentes vivências, linguagens e investigações. O evento acontece no sábado (16/12) e no domingo (17/12), das 10h às 20h, na rua José Ildeu Gramiscelli, 365, bairro Bonfim. Minha dica para quem estiver de carro é subir a rua após o Cemitério do Bonfim. Já para quem estiver a pé, só desejo boa sorte para aguentar os morros.

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