A primeira nação a atacar o povo judeu após o êxodo do Egito foi Amalek, um antigo povo bíblico de Canaan. Há muito essa nação desapareceu, mas continua viva nos corações israelitas, como lembrou Omer Bartov, professor de estudos sobre o genocídio e o Holocausto na Universidade de Brown, em artigo publicado no “The New York Times” e reproduzido no Estadão. “Vocês devem se lembrar do que Amalek fez com vocês”, disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em 28 de outubro, ao anunciar que a retaliação de Israel ao ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro seria arrasadora. Mas está sendo muito mais violenta do que se imaginava, inclusive para os Estados Unidos, que apoiam Israel incondicionalmente.
Antes, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, dissera:“Nós estamos combatendo animais e estamos agindo como corresponde”. O major-general Ghassan Alian, comandante israelense de atividades governamentais nos territórios, endossou:“Animais tem de ser tratados como tal”; “não haverá eletricidade nem água, haverá apenas destruição. Vocês desejaram o inferno e terão o inferno”. Diante dos assassinatos de crianças, mulheres e idosos pelos terroristas do Hamas em território Israelense, era uma reação previsível.
As comparações bíblicas são claríssimas. Amalek cresceu na família de Esaú e adquiriu o ódio patológico aos judeus. Seus descendentes se tornaram a nação de Amalek, ao sul da Terra de Israel, no Deserto de Negev. Depois da travessia do Mar Vermelho, quando os judeus se recuperavam em Refidim, Amalek lançou um covarde ataque de surpresa sobre eles. Moisés, líder dos judeus, ordenou que seu discípulo Yehoshua, à frente de uma tropa de elite, contra-atacasse e matasse os guerreiros de Amalek, o que foi feiro. Moisés prometeu varrer totalmente a lembrança de Amalek da face da terra, numa guerra eterna. Seu nome e trono não estariam completos até que Amalek fosse destruído.
Quarenta anos depois, quando o rei canaanita de Arad lançou um ataque selvagem contra os judeus, os sábios concluíram que Arad e seus soldados eram amalequitas disfarçados. O plano fracassou, os judeus foram vitoriosos e continuaram a entrar na Terra de Israel. Por essa razão, no Shabat anterior à festa de Purim, a ação de Amalek é lembrada na leitura da Torá. Em Purim, os judeus foram salvos do perverso Haman, um descendente do rei amalequita. Comemora-se a destruição de Amalek até hoje nos lares israelitas.
O rabino da Brigada Nahal, capitão Amichai Friedman, antes da entrada em Gaza, exortou seus soldados: “A terra é nossa, toda a terra, incluindo Gaza, incluindo o Líbano”. Na Torá, o livro de Deutoronômio (11:24), citado por Netanyahu, diz: “Todo lugar onde vocês puserem os pés será de vocês. O seu território se estenderá do deserto do Líbano ao do rio Eufrates ao Ocidental”. O ataque terrorista do Hamas legitimou internamente a política de Benjamin Netanyahu para a Cisjordânia, que é ocupada por Israel e está sendo gradativamente colonizada, e o projeto de limpeza étnica da Faixa de Gaza, cujo Norte já se tornou inabitável. O plano de estado-maior do Ministério de Inteligência de Israel já era mover toda a população palestina da Faixa de Gaza para a Península do Sinai, o que só não acontece agora porque o Egito fechou a fronteira e impediu o êxodo dos refugiados.
Donbass, Gaza e Taiwan
Entretanto, a guerra de Gaza tornou-se o epicentro de uma disputa muito maior. Ao contrário do Brasil, na presidência do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), a China ainda não convocou nenhuma reunião do órgão. Quem tem pressa agora são os Estados Unidos, para recuperar o controle sobre a crise em Israel. A Rússia não faz nenhuma questão de aprovar uma resolução, depois do veto americano à proposta de cessar-fogo humanitária brasileira, que foi aprovada por 12 votos a um e duas abstenções. O massacre de civis palestinos em seu território legitima a ocupação da região de Donbass, na Ucrânia, e um novo ataque à Odessa, cujo controle é uma das ambições do presidente russo Vladimir Putin, pode ocorrer a qualquer momento. O Exército russo tem 350 mil homens posicionados na fronteira para uma nova ofensiva.
No próximo dia 15, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o presidente chinês, Xi Jinping, deverão se encontrar na Califórnia, durante a 30ª reunião dos líderes do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC, na sigla em inglês), que ocorrerá de 11 a 17 de novembro, com a participação de 21 países, que representam metade do comércio mundial e 40% dos habitantes da Terra. Os dois países protagonizam uma guerra comercial que está se transformando em nova guerra fria.
A China nunca reconheceu a independência de Taiwan, que está para os Estados Unidos no Mar das China como Israel no Oriente Médio. O apoio incondicional dos Estados Unidos à ocupação da Palestina permitiria à China, moralmente, invadir e exigir a reintegração de Taiwan ao seu território, como aconteceu com as ilhas de Hong Kong (Reino Unido) e Macau (Portugal). Entretanto, o mundo estaria à beira da Terceira Guerra Mundial. Biden e Jinping, porém, juntos, têm condições de promover o cessar-fogo na Ucrânia e/ou em Gaza, se resolverem dar um basta à instabilidade mundial.