A comemoração mais importante do Ocidente é o Natal, que celebra o nascimento de Jesus Cristo e, com isso, a renovação da esperança que explode na passagem de ano-novo. Para os cristãos ortodoxos e coptas, que ainda seguem o calendário decretado pelo imperador romano Júlio Cezar em 46 a. C, a festa natalina ocorrerá em 7 de janeiro. Entretanto, quase não houve nem haverá celebração em Belém, a cidade mais católica da Palestina, na qual Cristo nasceu. Resume-se a um presépio montado sobre pedras e um menino Jesus envolto numa mortalha. Simbolizam a destruição de Gaza e a morte de uma criança a cada 10 minutos pelos bombardeios israelenses, segundo os números divulgados pelo porta-voz do Fundo da ONU para Infância (Unicef), James Élder.
A música, a árvore de Natal, a procissão e a grande missa deram lugar a um protesto quase silencioso da Igreja Católica, verbalizado pelo Papa Francisco, em Roma, na Missa do Galo. Na Praça da Manjedoura, não há turistas nem fieis. Os líderes das diversas representações cristãs em Jerusalém emitiram uma carta pedindo a seus congregados que renunciassem a quaisquer “atividades festivas desnecessárias”. Em protesto, no domingo, o cardeal Pierbattista Pizzaballa, o Patriarca Latino, a maior autoridade católica da região, caminhou em silêncio de Jerusalém a Belém, onde celebrou a missa, à meia-noite, na Igreja da Natividade, sem peregrinos.
Apesar da resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que pede uma trégua para a entrada de ajuda humanitária, Israel prossegue seus bombardeios no Sul de Gaza, inclusive contra os campos de refugiados. Diante das críticas do secretário-geral da ONU, Antônio Gu terres, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu suspendeu a emissão e renovação de vistos diplomáticos para os funcionários da ONU, entre os quais o secretário-geral adjunto para os Assuntos Humanitários, Martin Griffiths. Um gesto sem precedentes, mas coerente com a morte de mais de 140 funcionários da ONU nos araques israelenses.
O secretário-geral da ONU irritou Netanyahu ao criticar o Hamas pelos “ataques horrendos” e “castigo coletivo do povo palestino”. Guterres acusa Netanyahu de “graves e claras” violações do direito humanitário internacional em Gaza. Disse que “os ataques do Hamas não se produziram em um vazio. O povo palestino está submetido há 56 anos a uma ocupação sufocante e tem visto sua terra devorada pouco a pouco por assentamentos”, o que foi interpretado como uma justificativa para o ataque terrorista de 7 de outubro, que Guterres nega.
Ameaça existencial
A retaliação implacável de Israel, de certa forma, faz o jogo de seus adversários, sobretudo o Irã, pois aumenta seu isolamento internacional. Aprofunda a crise política do país, mesmo que sob o manto de unidade nacional, tecido por uma ação terrorista que é tratada como uma ameaça existencial na dimensão do Holocausto. A esquerda israelense perdeu a ideia-força da coexistência com os palestinos; a direita, a confiança da população conservadora e sionista. A estratégia de ocupação militar da Cisjordânia e bloqueio de Gaza fracassou. A escolha de Natanyahu agora é a ocupação definitiva e uma limpeza étnica em Gaza, insustentável internacionalmente, até mesmo para Estados Unidos. A mudança de rumo em direção à solução de dois Estados, mesmo com a derrubada do seu governo após a guerra, parece cada vez mais difícil, embora tenha amplo apoio internacional.
A guerra unificou um país dividido entre a preservação da sua democracia e a adoção de um regime “iliberal”, com a tentativa de Netanyahu de reduzir o poder dos tribunais; também reduziu as diferenças entre os judeus ultraortodoxos, que se recusam a prestar serviço militar, e sionistas, sempre dispostos a pegar em armas para defender seu território. De certa forma, reforça o caráter étnico-religioso do Estado de Israel e legitima regime de apartheid imposto aos palestinos. Enquanto houver a guerra, Netanyahu estará firme no poder, com apoio dos militares linha-dura que comandam a carnificina em Gaza.
Uma pesquisa recente mostrou que 70% da população árabe se sente parte do Estado de Israel. É uma realidade multiétnica que somente tem sentido numa ordem democrática. Para a minoria árabe, que representa um quinto dos mais de 9 milhões de residentes de Israel, a situação é complexa: dezenas de árabes morreram no 7 de outubro, o que fortalece esse pertencimento, porém, não se são indiferente à morte dos palestinos civis de Gaza, sobretudo crianças e mulheres, vítimas dos bombardeios israelenses.
Mais da metade dos israelenses judeus se opõe à retomada das negociações para criar um Estado palestino e apoiam os assentamentos na Cisjordânia. Além disso, há o senso comum de que os ataques do Hamas não teriam ocorrido se a ocupação de Gaza por Israel tivesse permanecido após a Intifada. Entretanto, com a ocupação de territórios palestinos, no espaço de duas ou três gerações, os árabes serão a maioria da população do que seria a “Grande Israel”.