Os cenários para 2024 são otimistas, porém voláteis. Há que se considerar as contingências da política mundial, da economia, da situação social e da correlação entre forças políticas; e também as idiossincrasias dos governantes. Houve uma mudança de qualidade na cena mundial: a China ameaça seriamente a hegemonia norte-americana nas cadeias globais de valor, cujo fluxo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. A reação norte-americana está sendo reestruturar essas cadeias, para reduzir sua dependência, e tentar recuperar seus velhos mercados.
O presidente Joe Biden usa sua vantagem estratégico-militar para conter o grande projeto do líder chinês Xi Jinping: a Nova Rota da Seda, cuja ambição é chegar à Europa e à América Latina, não só no plano comercial, mas também na modernização da infraestrutura. A China ameaça o Ocidente porque seu modelo de “capitalismo de estado asiático”, integrado à economia mundial e sob controle de um partido comunista, suplantou o modelo neoliberal que liderou a globalização a partir do colapso da antiga União Soviética e do “socialismo real” no leste europeu.
A democracia representativa do Ocidente tem mais dificuldades para implementar a modernização; o estado de bem-estar social é incompatível com a modernização conservadora.
Muitos analistas de prestígio, com Thomas Friedman, do The New York Times, avaliam que estamos numa nova “guerra fria”, devido às escolha dos principais líderes mundiais, entre os quais Vladimir Putin, na Rússia, que que se tornou um autocrata expansionista; Xi Jinping, que pôs a China na nova corrida armamentista; e Joe Biden, um presidente fraco e assombrado por seu antecessor, Donald Trump, que empurrou o Partido Republicano para a extrema-direita. O “iliberalismo”, que vigora na Hungria, na |Polônia, na Turquia, na Indonésia e em Cingapura, ao lado das autocracias tradicionais do mundo árabe, também se tornou uma opção política de modernização para parte da população europeia e norte-americana, ou seja, ameaça às democracias do Ocidente.
O Brasil somente não virou marisco nesse cenário mundial porque é um país muito grande, que voltou a ser uma das 10 principais economias globais, com um PIB de US$ 2,13 trilhões, atrás dos Estados Unidos (US$ 26,95 trilhões), China (US$ 17,7 trilhões), Alemanha (US$ 4,43 trilhões), Japão (US$ 4,23 trilhões), Índia (US$ 3,73 trilhões), Reino Unido (US$ 3,33 trilhões), França (US$ 3,05 trilhões), Itália (US$ 2,19 trilhões) e à frente do Canadá (US$ 2,12 trilhões). Esses números são importantes para entendermos nosso lugar no mundo.
Segundo o FMI, em 2026 voltaremos a ser a quinta economia do planeta.
Janela de oportunidades
Ao contrário do ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem a dimensão da importância do Brasil na cena mundial, mas enfrenta dificuldades objetivas. A nova “guerra fria” espalha armadilhas para todos os lados, como a guerra da Ucrânia, invadida pela Rússia, e a Guerra de Gaza, provocada pelo Hamas. A primeira pôs em xeque a estabilidade das fronteiras europeias, uma conquista do pós Segunda Guerra Mundial; a segunda, a viabilidade do Estado Palestino e, simultaneamente, a existência da democracia em Israel. A América Latina era um mar de brigadeiro para Lula, mas foi tomada por águas procelosas, com a vitória de Javier Milei na Argentina, com seu “anarco capitalismo”, e a ameaça de Nícolas Maduro de invadir a Guiana para anexar Essequibo à Venezuela.
Dependente da produção de commodities de minérios e agrícolas e da China, a nossa economia precisa se reinventar. A janela de oportunidade é desenvolver a agroindústria, promover a transição energética e a exploração da nossa biodiversidade, ou seja, a economia verde, que interessa a todo o mundo, até porque a preservação da Amazônia se tornou um problema mundial.
Controlada a inflação, nossos gargalos são a insegurança jurídica e o desequilíbrio fiscal. Mais uma vez, isso depende das escolhas dos governantes. O ano começa com o presidente Lula em confronto aberto com o Congresso, e os agentes econômicos, por causa das desonerações da folha de pagamento das empresas de 17 setores da economia e da necessidade de perseguir o déficit zero para estabilizar de vez a economia.
Tudo o que não nos interessa em 2024 é uma crise institucional, que paralise o governo, quando deveríamos aproveitar as oportunidades que nos restam. Trocando em miúdos, Lula precisa combinar com os beques. Negociar uma agenda comum com o Legislativo e o Judiciário, que mantenha as conquistas de 2023 e avance no rumo do crescimento, da redução das desigualdades e do fortalecimento da democracia.
Em férias, volto dia 22 de janeiro.