Durante a última semana, o nome do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega voltou à ribalta, como suposto indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para presidir a Vale, a grande empresa brasileira que atua nos setores de mineração, logística, energia e siderurgia. Foi criada como estatal em 1942, por Getúlio Vargas, para exploração de ferro em Itabira (MG), com o nome de Companhia Vale do Rio Doce, um alicerce da industrialização pesada no Brasil, principalmente da siderurgia.
O caso reabre o debate sobre as privatizações. Hoje, a Vale S.A é a 31ª maior companhia do mundo. Na sexta-feira, depois de muitas especulações, a perda de 10% no valor das ações na Bovespa e muitas críticas dos analistas de mercado, o ministro das Minas e Energia, Alexandre da Silveira — que nos bastidores teria pressionado os conselheiros a aceitar a indicação —, anunciou: “O presidente Lula nunca se disporia a fazer uma interferência direta em uma empresa de capital aberto, listada em bolsa. Uma corporation [empresa que não tem um controlador] que tem a sua governança e a sua natureza jurídica que deve ser preservada”.
O mandado de Eduardo Bartolomeu, atual CEO da empresa, termina em maio e o conselho de administração da Vale precisa decidir até quarta-feira se o mantém ou não. Para os economistas Dag Detter e Stefan Fölster — autores do livro 'A riqueza pública das nações, como a gestão de ativos públicos pode impulsionar ou prejudicar o crescimento econômico” (Editora Cultrix, São Paulo, 2016) —, a Vale é uma das bem-sucedidas privatizações do mundo. Detter presidiu a Stattumn, a holding do governo sueco, que realizou a reforma patrimonial daquele país. Neto do famoso economista social-democrata Gunnar Myrdal, Fölster é professor associado de Economia do Royal Institute of Technology e diretror Executivo do Reform Institute, uma think-tank de Estocolmo. Foi economista -chefe da Confederação das Empresas Suecas.
Junto com a Embraer, a Vale é um “case” da reforma patrimonial do Estado brasileiro. Em 2010, realizou uma grande aquisição no segmento de fertilizantes por meio da sua subsidiária Mineração Naque S.A. A companhia ainda adquiriu 100% do capital da Bunge Participações e Investimentos S.A. (BPI) e uma planta em Cubatão. Na área de mineração, a Vale se destaca como a maior produtora de ferro do mundo. Ela ainda produz níquel, carvão, cobre, manganês e ferroligas.
Entretanto, em 2015 a empresa perdeu 23% de seu valor em ações com o rompimento de uma barragem em Mariana, controlada pela Samarco, joint-venture com a anglo-australiana BHP Billiton (na semana passada, a Justiça federal condenou as mineradoras Samarco, Vale e BHP a pagar R$ 47,6 bilhões como indenização pelo rompimento dessa barragem). Em 2019, o caso se repetiu, com o rompimento de uma barragem da própria empresa na cidade de Brumadinho (MG). Nesse episódio, a empresa perdeu R$ 72 bilhões de valor de mercado. O desgaste de imagem junto à opinião pública é intangível e quase irreparável.
Ativos públicos
No quinto aniversário da tragédia de Brumadinho, na quinta-feira, Lula não deixou barato: “É necessário o amparo às famílias das vítimas, recuperação ambiental e, principalmente, fiscalização e prevenção em projetos de mineração, para não termos novas tragédias como Brumadinho e Mariana”. A crítica esquentou as especulações sobre Mantega. O rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão deixou 270 mortos e três pessoas desaparecidas. Em fevereiro de 2021, a empresa assinou um acordo de reparação de R$ 37,7 bilhões com o governo de Minas Gerais.
No livro, Detter e Fölster defendem a tese de que muitos países sofrem com a falta de investimentos em infraestrutura porque gerenciam mal os seus ativos públicos. Segundo eles, a democracia tem mais chances de atuar em prol do interesse público quando os governantes se preocupam mais com os consumidores e entregam esses ativos à administração profissional de fundos, que podem lançar mão do que existe de melhor na gestão corporativa. Esse foi o formato da privatização da Vale.
Os dois economistas analisaram dezenas de privatizaçoes pelo mundo, dos Estados Unidos à China. Destaca-se o Deutsche Bundeposte. De 1947 a 1995, era maior empresa da Alemanha, com 543 mil funcionários. Controlava serviços de correio e telégrafo, um banco postal, uma companhia aérea, uma agência de viagem e uma rede de hotéis. Em 1995, foi transformada em três sociedades anônimas, com capital pulverizado entre o estado, seus funcionários e investidores privados: o Deutsche Post, o Deutsche Telekom e a Deutsche Postbank. O primeiro investiu em serviços e aquisições no exterior: comprou a DHL, a Global Mail (EUA), a Dantas (Suiça), a Exel (Reino Unido), parte da Lufthansa Cargo e terminais de carga em Leipzig/Halle (Alemanha), Shangai (China) e Cincinatti (EUA). Atua em 220 países, com 480 mil empregados.
Controlada pela gigante alemã, a DHL é a maior empresa de logística do mundo, com sede em Bonn. Seu nome é um acrônimo dos três norte-americanos que a fundaram em 1969: Adrian Dalsey, Larry Hillblom e Robert Lynn. Oferece serviços de correio expresso, transporte terrestre, fretes aéreo e marítimo, logística contratual. Tem 6.550 instalações, 450 hubs, terminais e armazéns, 420 aviões e 76, 2 mil veículos. Anualmente, faz 1,5 bilhão de entregas para 120 mil destinos. Aqui no Brasil, por meio de seu site na internet, oferece empregos diretos e contrata serviços. Seus carros de entrega são o furgão elétrico BYd T3, que já são vistos em Brasília com quase tanta frequência quanto os dos Correios, esse nosso “case” de ativo público mal-administrado.