Não fosse a ausência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a reabertura dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal (STF) teria sido uma incontestável demonstração de harmonia entre os poderes. Tanto o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, como o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que fez o discurso mais duro da cerimônia, ressaltaram a harmonia e o alinhamento com a democracia entre o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. A Câmara foi representada por seu vice-presidente, Marcos Pereira (PR-SP). Lira permaneceu em Alagoas, em razão de compromissos político-eleitorais.
“É uma benção nós podermos fazer esta abertura do ano Judiciário sem termos nenhuma preocupação que não sejam as preocupações normais de um país: crescimento, educação, proteção ambiental e todos os outros valores que estão na Constituição, que nos unem a todos", disse Barroso. Pacheco seguiu a mesma linha, mas destacou que o Judiciário julga “aquilo que é de sua competência e busca o equilíbrio na aplicação da lei”. O Supremo tem sido alvo de críticas de parlamentares que veem a Corte interferindo em assuntos que seriam competência exclusiva do Congresso.
A sucessão no comando o Senado e na Câmara também está repercutindo nas relações com o Supremo. No primeiro caso, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), deseja voltar ao comando da Casa. Para não correr riscos, se aliou ao senador Rogério Marinho (PL-RJ), que lidera uma bancada de oposição com 32 senadores. O parlamentar potiguar é quem mais critica o Supremo, sobretudo o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito das fake news, que investiga a tentativa de golpe de 8 de janeiro.
No final do ano passado, na Câmara, Lira havia engavetado os projetos que limitam os poderes dos ministros do Supremo, mas agora sofre forte pressões da bancada bolsonaristas para pautá-los, principalmente depois da operação de busca e apreensão determinada por Moraes contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que está sendo investigado no caso da chamada “Abin paralela” e teve seu gabinete e residência oficial da Câmara devassados.
Ramagem foi diretor-geral da agência de inteligência e é pré-candidato a prefeito do Rio de janeiro. Em resposta ao silêncio da Câmara quanto ao caso, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, ameaçou lançar uma candidatura da legenda contra o candidato de Lira à sucessão na Casa, deputado Marcos Pereira (PR-SP). Uma das propostas é acabar com o foro privilegiado, o que faria com os processos contra deputados e senadores fossem para a primeira instância, em seus estados.
No seu discurso, o presidente Lula manteve o tom duro contra a oposição, sem citar o ex-presidente Bolsonaro. Disse que as instituições enfrentaram juntas “uma ameaça que conhecíamos apenas das páginas mais trágicas da história da humanidade: o fascismo”. Destacou sua preocupação com o chamado “discurso do ódio”. E que é preciso “criminalizar aqueles que incitam a violência nas redes sociais, mas é também necessário responsabilizar as empresas pelos crimes que são cometidos em suas plataformas, como a pedofilia, incentivo aos massacres nas escolas e estímulo à automutilação de adolescentes e crianças”.
Modernização
Barroso dedicou a maior parte de seu discurso a medidas para agilizar, facilitar e modernizar o acesso da sociedade à Justiça, inclusive com adoção de linguagem clara e objetiva nas sentenças, que facilite a compreensão sobre as decisões judiciais. Anunciou a publicação do edital do primeiro Exame Nacional da Magistratura, que vai simplificar os concursos para juízes, com a realização de uma prova anterior e unificando o conhecimento que se demanda de um juiz. O objetivo da medida é estabelecer um padrão mínimo de competência jurídica para a magistratura.
Destacou a adoção pelo CNJ do modelo de promoção por merecimento por paridade. Tanto a promoção quanto a convocação de novos juízes deverão observar a alternância de gêneros. Também foi instituído um programa de bolsas para candidatos negro à magistratura, n o valor de R$ 3 mil mensais, para que possam se dedicar ao concurso e efetivamente preencherem as vagas.
Em novembro passado, registrou Barroso, o STF abriu edital de chamamento público para conhecer protótipos de soluções de inteligência artificial que permitam resumir processos judiciais. Ao todo, mais de 30 empresas, universidades e startups apresentaram propostas. Um dos projetos é um programa capaz de resumir processos que chegam aos tribunais superiores, sob supervisão judicial, com o fato relevante, as decisões de primeiro e segundo graus e as razões de recurso.
No ano passado, foram propostas mais de 31 milhões de ações, um incremento de 10% em relação ao ano anterior. A justiça do Brasil soluciona uma média de 79 mil processos por dia e, por magistrado, são baixados cerca de 1.787 processos. Segundo Barroso, a Justiça brasileira custa R$ 116 bilhões, dos quais 70% são arrecadados pelo próprio Judiciário, que tem 18 mil juízes, 272 mil servidores e 145 mil colaboradores.