Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) é um político moderado e sagaz. Observa a política com pragmatismo e certo distanciamento das disputas ideológicas. Ontem, num dia esvaziado do Congresso, jogava conversa fora numa roda de jornalistas, no cafezinho do Senado. Comentava a agenda litigiosa do Palácio do Planalto com o Congresso, um prato feito para a oposição. “Os maiores problemas de Lula com o Congresso foram herdados do governo Bolsonaro”, se divertia. Referia-se às emendas impositivas ao Orçamento da União, às desonerações da folha de pagamento das empresas e o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos).

Comecemos pelo último. O Perse foi criado para mitigar os prejuízos de quem teve os negócios paralisados durante a pandemia, como a realização de congressos, feiras e eventos sociais e esportivos; shows, festas e festivais; buffets sociais e infantis; casas noturnas e casas de espetáculo; hotelaria em geral; administração de salas de cinema; e prestação de serviços turísticos, entre outros. O governo quer acabar com o programa, em razão do fim da pandemia e da suspeita de que o Perse estaria sendo usado para lavagem de dinheiro, o que precisa ser investigado. Por meio de medida provisória (MP), todas as empresas beneficiadas perderiam os benefícios fiscais, como alíquota zero de impostos, parcelamento de débitos, redução de juros e multas.

Criado em 2021, o Congresso prorrogou o programa por mais cinco anos em dezembro de 2022, contra a opinião de Fernando Haddad, já então indicado para o Ministério da Fazenda. Agora, a Receita Federal alertou a equipe econômica que a renúncia fiscal chegará a R$ 17 bilhões, neste ano, muito acima dos R$ 4,4 bilhões previstos no Orçamento. Há suspeita de fraudes, que precisam ser investigadas. As instituições ligadas ao setor, lideradas pelas federações de comércio, reagiram prontamente. O lobby conta com o apoio de parlamentares diretamente ligados a esses setores.

Outro contencioso são as desonerações da folha de pagamento, que Lula vetou integralmente. Para aliviar a pressão do Congresso, o líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (AP), já anunciou que Lula poderá enviar um projeto de lei que trata da desoneração da folha de pagamento, que será extinta em abril, de acordo com uma medida provisória já editada (MP 1202/24). No ano passado, deputados e senadores aprovaram a prorrogação do recolhimento de até 4,5% sobre a receita bruta no lugar da alíquota de 20% da contribuição previdenciária para 17 setores da economia, até 2027.



A oposição se articula para derrubar a MP. O autor do benefício, senador Efraim Filho (União-PB), considerou a medida provisória um desrespeito ao Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mandou recado de que os vetos serão derrubados. Mas faltou combinar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que convoca e pauta do Congresso. Em razão dos seus interesses eleitorais e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em Minas Gerais, já nas eleições municipais, Pacheco se reaproximou de Lula e prefere um bom acordo.


Demandas eleitorais

Outro contencioso são os vetos de R$ 5,6 bilhões às emendas de comissão. Foram aprovadas pelo Congresso 7,9 mil emendas parlamentares individuais, de bancadas estaduais e de comissões, que somavam R$ 53 bilhões. Com o veto nas emendas de comissão, o valor global ficaria em torno de R$ 44,6 bilhões. As emendas de comissão seriam no valor de R$ 16,6 bilhões, mas cairão para R$ 11 bilhões, com os vetos, contra R$ 7,5 bilhões no ano passado. Emendas individuais obrigatórias (R$ 25 bilhões) e as emendas de bancadas (R$ 11,3 bilhões) não sofreram vetos de Lula, embora pulverizem o orçamento de investimentos do país.

Obras como o túnel submarino que ligará Santos e Guarulhos, uma parceria do governo federal com o governo paulista, que selou a cooperação entre Lula e o governador Tarcísio de Freitas (PR), no valor estimado de R$ 6 bilhões, não são prioritárias para o Congresso. Deputados e senadores, pressionados por prefeitos, deputados estaduais e vereadores, destinam recursos para suas bases eleitorais. Lula herdou de Bolsonaro um Congresso majoritariamente conservador, que gostou de administrar a execução do Orçamento da União, com o PP e o PL dando as cartas no Palácio do Planalto, por meio da Casa Civil e da Secretaria de Governo.

Em parte por causa da pandemia, em parte por causa de Bolsonaro, Lula herdou um Congresso que pretende gastar mais muito mais e, ao mesmo tempo, quer reduzir impostos. Para chegar ao déficit zero em 2024, a conta não fecha. É que deputados e senadores estão mais empenhados em aproveitar as eleições municipais para garantir a própria reeleição em 2026. Esse é o jogo.

 

 

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