Eleito deputado federal pela Guanabara em 1970 e 1974, o jurista e político carioca Célio Borja passou a representar o novo estado do Rio de Janeiro a partir de 15 de março de 1975, após a fusão dos dois estados, por força de lei sancionada no governo Ernesto Geisel, cujo objetivo era reequilibrar a balança geopolítica do país com São Paulo. No projeto nacional-desenvolvimentista de Geisel, o Rio de Janeiro seria a capital do setor produtivo estatal, pois abrigava a sede das mais importantes empresas públicas do país, entre as quais a Petrobras, a Vale, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Embratel, o BNDE (não tinha o S) e o BNH.
Enquanto o ministro do Planejamento da época, João Paulo Reis Veloso, articulava o tripé do ambicioso II Plano Nacional Desenvolvimento de Geisel — setor estatal, empresários brasileiros e multinacionais —, caberia a Célio Borja liderar a bancada da Arena na Câmara Federal e articular a continuidade do projeto de “distensão lenta, gradual e segura”, que havia sido abalado pela espetacular vitória do MDSB, o partido de oposição, nas eleições de 1974.
Mas ou menos nessa época, Célio Borja foi convidado para uma palestra na centenária Faculdade de Direito de Niterói (UFF), que ainda hoje funciona no velho prédio em estilo neoclássico da Avenida Presidente Pedreira, no Ingá, bairro nobre de Niterói. O novo líder da Arena, que havia sido encarregado por Geisel do operar a “Missão Portela” na Câmara, assim batizada por causa do senador Petrônio Portela (PI), o presidente da Arena à época. Borja seria ministro da Justiça de Gesiel, mas foi vetado pelos militares “linha dura”. Por muito pouco não também não foi impedido de assumir a Presidência da Câmara.
Borja era um político liberal, defendia a abertura política com sinvceridade. Mal começou a sua palestra, porém, foi interrompido por um grupo de estudantes que protestava contra o sequestro e desaparecimento de um dos alunos da Faculdade de Direito, Fernando Santa Cruz. Sua mulher, Ana Lúcia Santa Cruz — mãe daquele que mais tarde seria presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que tinha pouco mais de dois anos —, aos prantos, gritava: “Vocês sequestraram meu marido, cadê o pai do meu filho?”.
Não foi somente a palestra de Célio Borja que acabou ali. Na verdade, o processo de abertura estava sendo interrompido, em razão da derrota eleitoral de 1974, por violenta repressão à oposição de esquerda ao regime. A pá de cal seria o Pacote de Abril, de 1976, do então ministro da Justiça Armando Falcão. O corpo de Fernando Santa Cruz nunca foi devolvido à família, mas o tempo se encarregou de esclarecer as circunstâncias de seu assassinato.
Em 23 de julho de 2014, a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara, de Pernambuco, recebeu documentos inéditos da “Operação Cacau”, de 1973, realizada pelo IV Exército, com órgãos e agentes da repressão na Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Todo o material estava guardado no Arquivo Nacional.
Honoris Causa
Juliana Dal Piva, repórter do jornal O Dia, do Rio de Janeiro, ao investigar o destino dos mortos e desaparecidos da “Casa da Morte”, de Petrópolis, para um mestrado, no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, havia encontrado os documentos sobre a operação para desmontar a Ação Popular Marxista-Leninista (APML), da qual Fernando Santa Cruz fazia parte.
O relatório confirma que Eduardo Collier Filho, Fernando Santa Cruz, Gildo Lacerda, José Carlos da Mata Machado, Paulo Wright e Umberto Câmara Neto, dirigentes da organização, foram mortos pelos militares. Em fitas gravadas em 1983, Gilberto Prata, em 1983, cunhado de José Carlos, relata detalhes de colaboração remunerada com o Centro de Informação do Exército (CIE).
O caso de Fernando Santa Cruz foi motivo de uma polêmica entre seu filho, Felipe, então presidente da OAB, e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que negava a existência dos documentos. São mais de 300. Um deles, da Aeronáutica, datado de 22 de setembro de 1978, confirma que Fernando Santa Cruz foi preso em 22 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro. Ele já integrava uma lista com mais 48 desaparecidos do Comitê Brasileiro de Anistia. No Arquivo do DOPS/SP, na ficha sua ficha consta: “Nascido em 1948, casado, funcionário público, estudante de Direito, preso no RJ em 23/02/74”. Em outro, o Ministério da Marinha informa que “foi preso no RJ em 23/02/74, sendo dado como desaparecido a partir de então”.
Cinco dias antes da fala do presidente Jair Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz, em 24 de julho de 2019, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao seu governo, havia emitido uma retificação de atestado de óbito de Fernando Santa Cruz, reconhecendo que sua morte ocorreu "em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro". No atestado de óbito, também consta que Fernando Santa Cruz morreu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.
Ontem, por proposta do seu decano e ex-diretor Manoel Martins Junior, o Colegiado da Faculdade de Direito de Niterói concedeu o título de bacharel em Direito a Fernando Santa Cruz. E propôs ao Conselho Universitário a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao jovem desaparecido, que será homenageado com uma placa na faculdade que testemunhou a denúncia de seu sequestro.