Musk está em campanha aberta contra o Supremo Tribunal Federal -  (crédito: ALAN JOCARD/AFP)

Musk está em campanha aberta contra o Supremo Tribunal Federal

crédito: ALAN JOCARD/AFP


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli pretende liberar para julgamento a ação que responsabiliza os provedores de redes sociais por conteúdos gerados por terceiros. O julgamento está suspenso desde o ano passado, quando o Congresso passou a discutir a elaboração do projeto de lei das fake news, que continua na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O tema exige análise do artigo 19 do Marco Civil da Internet e gera pressão pela regulamentação das redes sociais no país. De acordo com o magistrado, o processo deve ser disponibilizado até junho deste ano. É mais uma resposta ao bilionário sul-africano Elon Musk, dono do Space X, que entrou em guerra aberta contra o Supremo, principalmente o ministro Alexandre de Moraes.

O empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), na noite desta segunda-feira, havia atacado o Supremo novamente. Na sua rede, endossou as falsas acusações de que o ministro Alexandre de Moraes interferiu na eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e atuou para censurar opositores, por meio de decisões judiciais, no caso, em suposto prejuízo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que concorria à reeleição. De novo, utilizou seu perfil na plataforma para atacar o ministro e o presidente da República: “Como Alexandre de Moraes se tornou um ditador no Brasil? Ele tem Lula na coleira”.

Musk agora insufla os bolsonaristas contra o Supremo e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Moraes havia determinado a inclusão do X e de Elon Musk no inquérito das milícias digitais e fixou uma multa de R$ 100 mil para cada perfil suspenso por decisão judicial que for reativado. Nesta terça-feira, também negou pedido da rede social X de isentar sua representação brasileira de ser afetada por decisões judiciais tomadas no Brasil. A filial brasileira alegou não ter controle sobre as postagens feitas no Brasil, mas apenas sobre as operações comerciais de publicidade e remuneração de parceiros.

Segundo Moraes, a empresa busca “imunidade jurisdicional”, indevidamente. Musk queria que somente a sede internacional respondesse a processos. Sem trocadilho, esse é o xis da questão. O bilionário entrou de sola na disputa sobre regulamentação do uso das redes sociais no Brasil, assunto que tramita no Congresso, e utiliza todo o poder de sua rede de comunicação, inclusive a difusão de postagens, para confrontar o Executivo e o Judiciário. Moraes pretende responsabilizar os administradores da filial brasileira por eventuais condutas de obstrução de Justiça e desobediência de ordens judiciais, o que pode ser objeto de até de prisões.

Além da mobilização dos bolsonaristas nas redes sociais, por meio do SpaceX, Musk tem capacidade de mobilizar apoio no Congresso. Demonstrou isso na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, que nesta terça-feira aprovou moção de aplauso e louvor a Elon Musk. O autor da moção, deputado Coronel Meira (PL-PE), argumentou que Musk expôs e enfrentou a censura política contra usuários do X no Brasil. Teve apoio dos seus colegas presentes à reunião. Os governistas formam pegos de surpresa.


Estratégia política

Musk tem notórias relações com a extrema direita norte-americana e utiliza o princípio da liberdade de expressão como uma barreira contra qualquer tentativa de regulamentar as redes. Coloca-se acima das leis brasileiras e, agora, passou a exercer seu enorme poder de influência no Brasil contra o Supremo, o que pode, sim, provocar uma crise política séria. Não parece ser um episódio fortuito, mas uma estratégia política deliberada, que serve como laboratório no embate com países que tendem a seguir o exemplo da União Europeia na regulamentação das redes sociais.

Desde o começo do ano, Musk usa a rede X para atacar Moraes. Em mensagem postada pelo ministro para parabenizar o ministro aposen
tado do STF Ricardo Lewandowski por assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, no dia 11 de janeiro, Musk questionou: “Por que você exige tanta censura no Brasil?”. No sábado passado, Musk prometeu “levantar” [desobedecer] todas as restrições judiciais e alegou que Moraes ameaçou prender funcionários do X no Brasil. No domingo, acusou Moraes de trair “descarada e repetidamente a Constituição e o povo brasileiro”.

Após afirmar que as exigências de Moraes violam a própria legislação brasileira, Musk defendeu que o ministro renuncie ou seja destituído do cargo. Pouco depois, ele recomendou aos internautas brasileiros utilizarem uma rede privada virtual (VPN, do inglês Virtual Private Network) para acessar todos os recursos da plataforma bloqueados no Brasil.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), nesta terça-feira, diante do confronto instalado na Casa, decidiu criar um grupo de trabalho para debater a regulação das redes sociais. O objetivo seria apresentar um texto mais “maduro” para ir ao plenário. O relatório apresentado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) subiu no telhado. Segundo Lira, o texto gerou polêmicas e muitas narrativas prejudicaram a apreciação da proposta pelos parlamentares. “O PL 2630/20 está fadado a ir a lugar nenhum, não tivemos tranquilidade do apoio parlamentar para votar com a maioria”, disse.

Lira alega que tentou por diversas vezes votar o projeto, sem sucesso: “Subdividimos o texto na questão dos streamings e na questão dos direitos autorais e não conseguimos um consenso. Todos os líderes avaliaram que o projeto não teria como ir à pauta”, argumentou. Nesse lusco-fusco, no plenário da Câmara, em discursos inflamados, a oposição aproveitou as postagem de Musk para voltar a questionar a legitimidade da eleição de Lula. É a mesma narrativa da tentativa de golpe de 8 de janeiro.