João Cabral de Melo Neto escreveu um lindo poema em homenagem ao também poeta e engenheiro Joaquim Cardozo, parceiro de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa na construção de Brasília. Inspirou-se em Diego Velázquez, um pintor barroco do século 17 e principal artista da corte do rei Filipe IV de Espanha, que abriu as portas para o realismo e o impressionismo de Édouard Manet, Pablo Picasso e Salvador Dalí. Sua obra-prima é “Las meninas” (1656), que se encontra no Museu do Prado, em Madrid.

 


A síntese da obra de Velásquez é o foco de luz num mundo sombrio, com o qual João Cabral homenageia o grande calculista do concreto armado de Brasília. “Escrever de Joaquim Cardozo/ só pode quem conhece/ aquela luz Velásquez/ de onde nasceu e de que escreve/ A luz que das várzeas da Várzea/ onde nasceu, redonda/ vem até o ex-Cais de Santa Rita/ que viveu: luz redoma,/ luz espaço, luz que se veste,/ leve como uma rede,/ e clara, até quando preside/ o cemitério e a sede”.

 




O que seria da luz de Brasília sem seu traçado e o concreto armado, em meio ao cerrado? Sim, a luz de Cardozo veio do Recife e lembra Velásquez, mas encontrou seu espaço no cálculo dos grandes palácios que encantam o mundo e faz do Plano Piloto uma cidade única e até hoje futurista. São de Joaquim Cardozo os cálculos estruturais da maioria dos prédios icônicos da capital federal, que hoje completa 64 anos.

 


Muito ligado a Manuel Bandeira e ao próprio João Cabral, Cardozo também era um grande poeta, o que o levou à Academia Brasileira de Letras. Nasceu no Bairro do Zumbi, no Recife, em 26 de agosto de 1897. Era filho do bibliotecário José Antônio Cardoso e Elvira Moreira Cardoso. Foi no Ginásio Pernambucano do Recife, para onde viajava todo dia de trem, pois morava em Jaboatão, que se aventurou pela Literatura, no jornal O Arrabalde.

 

 


Sua poesia “Os mundos paralelos” reflete a vida dupla de poeta apaixonado e frio calculista de grandes espaços vazios sob concreto: “Todos os meus atos são atos reflexos/ No projetivo espelho tempo/espaço, no fechado não denso/ Correspondência injetiva, deprimente, fria, de interno entorno (...)/ No que aqui é doce, no paralelo é amargo”. Vivia num mundo só dele, como acontece com muitos em Brasília.

 

Um grupo de amigos

 

Muitos arquitetos foram para Brasília com Niemeyer. Deixaram suas marcas na cidade. O próprio Lúcio Costa, responsável pelo conceito urbanístico de cidade-parque, hoje plenamente consolidado, projetou a Torre de TV e a Rodoviária do Plano Piloto, marco zero da capital, que precisa ser revitalizado. É por ela que a vida banal dos moradores do Distrito Federal se conecta com a arquitetura monumental. Brasília é fruto da imaginação diante das pranchetas e dos cálculos de engenheiros projetistas.

 


Marcílio Mendes Ferreira, Hélio Uchôa, Eduardo Negri, Milton Ramos, Stellio Seabra, Marcelo Graça Couto, Sérgio Rocha e outros arquitetos deixaram suas marcas impressas em concreto, na singularidade das fachadas, nos pilotis, na distribuição interna dos espaços, nas janelas e nos basculantes. Identificar a autoria dos prédios de Brasília, de certa forma, valoriza os imóveis. É o caso da 105 Sul, com 10 blocos projetados por Uchôa, que trabalhou no escritório de Lúcio Costa, com suas esquadrias e venezianas de madeira.

 

 


Nauro Esteves, chefe do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Novacap, braço direito de Niemeyer, projetou o Conjunto Nacional, o Hotel Nacional, o Palácio do Buriti e a sede da Polícia Militar (no Setor Policial Sul). São dele também o bloco duplo JK, da SQS 112, com a fachada revestida em esmalte azul e pastilhas brancas, as superquadras Sul 403, 406, 407, 410, 411 e 413 e os prédios com apartamentos de três e quatro quartos da SQS 115 e na SQN 102.

 


O mineiro Marcílio Mendes Ferreira, funcionário do Departamento de Engenharia da Caixa Econômica Federal, projetou o Bloco C da 210 Sul, o bloco C da SQS 312 e o K da 203. São apartamentos disputadíssimos, com 221 metros quadrados. João Filgueiras Lima, o Lelé, outro representante do modernismo brasileiro, projetou os blocos pré-fabricados do Minhocão da Universidade de Brasília, um símbolo da UnB, e dos hospitais da Rede Sarah e de Taguatinga.

 


O nome dos bloquinhos vazados de cimento que são uma característica dos prédios clássicos do Plano Piloto, inclusive na famosa quadra modelo 308 da Asa Sul, são as iniciais dos pernambucanos Amadeu Oliveira Coimbra (co), Ernest August Boeckmann (bo) e Antônio de Góis (go), donos de uma fábrica de tijolos. Hoje são uma marca de Brasília, filtram o sol escaldante sol e permitem a circulação de ar nos edifícios, ao lado das icônicas andorinhas dos azulejos de Athos Bulcão.

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