Era meio inevitável, em se tratando do volume de recursos da União que serão destinados ao Rio Grande do Sul, a criação de uma autoridade federal para coordenar, controlar e direcionar os mais de R$ 50 bilhões em ajuda aos gaúchos que já estão anunciados pelo governo federal. Entretanto, ao escolher o ministro da Comunicação Social. Paulo Pimenta (PT-RS), para o cargo de ministro extraordinário de apoio à reconstrução do estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva politizou o socorro aos gaúchos, irremediavelmente. Pimenta é deputado federal, tem o estilo “bateu, levou” e não esconde a ambição de ser governador.
O governador Eduardo Leite (PSDB), durante o ato organizado por Lula em São Leopoldo, um dos redutos do PT no Rio Grande Sul, deu uma de bom cabrito e não berregou, porém, não gostou nem um pouco. As críticas à decisão de Lula ficaram a cargo das lideranças do PSDB, entre as quais o deputado federal Aécio Neves (MG), o principal defensor de uma candidatura tucana à Presidência em 2026 e opositor sistemático ao governo federal. A resposta de Eduardo Leite foi intensificar sua presença nas ruas e antecipar a liberação de recursos da ordem de R$ 2 mil para 45 mil famílias flageladas, via Pix.
As famílias contempladas devem ter renda até três salários mínimos e estar fora do programa estadual Volta Por Cima, que destina R$ 2.500 para famílias pobres e extremamente pobres, para as quais o governo gaúcho também já liberou cerca de R$ 50 milhões. Terão prioridade moradores das áreas mais afetadas que já tenham condições de iniciar o processo de recuperação e reconstrução de suas casas.
A indicação de Pimenta surpreendeu os aliados de Lula, porque mostrou a disposição de vincular fortemente a imagem do governo ao socorro às vítimas e não deixar que esses recursos destinados pelo governo aos gaúchos não tenham o carimbo de verba federal nas eleições municipais. Pode parecer uma coisa sem sentido, diante da dramaticidade da situação do estado, mas tem sua lógica: Lula pretende disputar a reeleição e Eduardo Leite é um possível concorrente.
Apesar do relacionamento elegante entre ambos, Lula e Leite trocam farpas e existem uma contradição entre ambos inescapável: o Congresso aprovou a proposta de suspender por três anos o pagamento das dívidas do estado e a cobrança de juros, o que significa um alívio no caixa do governo gaúcho da ordem de R$ 23 bilhões, sendo R$ 12 bilhões em juros. Leite pôs uma saia-justa em Lula ao pedir que essa dívida seja perdoada, para permitir a reconstrução do estado. Por causa de sucessivos calotes, o Rio Grande do Sul deve R$ 95 bilhões ao Tesouro nacional. Obviamente, diante da tragédia, terá que ser renegociada.
Xadrez eleitoral
Lula e Leite têm um adversário comum: Jair Bolsonaro e seus aliados. A força do ex-presidente no estado é inequívoca: foi o mais votado entre eleitores do Rio Grande do Sul no 2º turno, com 56,35% dos votos no estado, o equivalente a 3.733.185 eleitores. Lula fez 43,65% dos votos válidos, ou seja, teve apoio de 2.891.851 do total de eleitores, uma diferença de 841,3 mil votos. Entretanto, em Porto Alegre, Lula venceu, com 438 mil votos, contra 380,5 mil de Bolsonaro.
Na disputa pelo governo estadual, porém, Eduardo Leite, que havia renunciado ao mandato para disputar a Presidência e depois desistiu, venceu o segundo turno com 3.687.126 votos, ou 57,12%. O candidato de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (PL), que tinha feito mais votos que Leite no primeiro turno, perdeu a eleição: 2.767.786 votos, ou 42,88%. Os petistas apoiaram Leite.
Esse xadrez eleitoral explica em parte a guerra de fake News que se estabeleceu nas redes sociais. Sem protagonismo institucional para socorrer as vítimas a oposição partiu para o jogo sujo nas redes sociais, disseminando mentiras em relação ao empenho do governo federal e do governo estadual para socorrer as vítimas. Não foi à toa que a Advocacia-Geral da União solicitou à Polícia federal que investigasse os autores das notícias falsas, que não deixaram ninguém de fora dos ataques, nem mesmo as Forças Armadas.
A indicação de Pimenta para o ministério extraordinário deve ser vista também num contexto que vai além dos interesses eleitorais no Rio Grande do Sul. O presidente Lula estava meio na defensiva, em função das articulações dos governadores de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos), Minas, Romeu Zema (Novo) e Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) para descolar setores empresariais importantes do governo. As sucessivas quedas na avaliação do desempenho do governo nas pesquisas de opinião é um caldo de cultura para isso. Ao retomar a iniciativa política, a atuação de Lula no Rio Grande do Sul tende a impactar positivamente a avaliação do governo nas pesquisas, isso já deu sinais de acontecer no Sul e pode chegar a outras regiões.