Protesto por Marielle Franco, que foi assassinada em 14 de março de 2018 -  (crédito: CARL DE SOUZA/AFP)

Protesto por Marielle Franco, que foi assassinada em 14 de março de 2018

crédito: CARL DE SOUZA/AFP

O vídeo da delação de Ronnie Lessa, um dos assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, exibido pelo Fantástico (TV Globo) no domingo, revela a existência de negócios milionários dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão por trás dessas execuções. A vereadora atrapalhava a venda de lotes e imóveis em loteamentos ilegais na região de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de janeiro, que poderiam render milhões de dólares. “Era muito dinheiro”, disse o ex-policial militar, ligado ao chamado Escritório do Crime.

 


Na sua delação premiada à Polícia Federal (PF), Lessa disse que o crime foi encomendado por Domingos Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCRJ), e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, sob promessa de que receberia um loteamento clandestino que poderia render até 20 milhões de dólares e passaria a ser um chefe de milícia. “Então, na verdade, eu não fui contratado para matar Marielle, como um assassino de aluguel. Eu fui chamado para uma sociedade”, disse. Segundo Lessa, houve três reuniões para discutir a execução de Marielle.

 


Com uso de satélite, o miliciano apontou as supostas áreas onde seriam criados os loteamentos. No relatório das investigações, porém, a Polícia Federal afirma que não foi possível encontrar provas de planejamento para ocupar a área. Segundo ele, levantamentos topográficos eram realizados para avaliar a qualidade dos terrenos, verificando estabilidade, lençol freático e risco de deslizamento. Um topógrafo contratado pela milícia, conhecido como Belém, indicava onde cavar as estacas de um imóvel, providenciava nivelamentos e calcula muros de contenção.

 

 


Nas investigações, a Polícia Federal conseguiu identificar Anderson Pereira Belém como o topógrafo que realizou os serviços praticados para Lessa. Segundo Lessa, a empresa dele é legal. “Ele é um profissional liberal. Então ele faz rindo... Por quê? Porque ele tá ganhando o dinheiro dele e não quer saber para quem tá fazendo. Ele quer fazer”, explicou o ex-policial militar. Belém não foi indiciado pela PF.

 


Outra informação relevante de Lessa foi a suposta infiltração de Laerte Silva de Lima e a mulher, Erileide Barbosa da Rocha, no Psol. O casal era ligado à milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, controlada pelos irmãos Brazão. Segundo ele, o plano de espionar o Psol não mirava apenas a vereadora, mas também outros políticos do partido.

 


De acordo com relatório da Polícia Federal, Ronnie Lessa foi contatado pela primeira vez no “segundo semestre de 2017”, pelo sargento reformado da Polícia Militar do RJ Edmilson Macalé, que o apresentou a proposta e disse que, como recompensa, receberiam uma “grande extensão de terras”.

 

 


Marielle foi morta a tiros em 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, localizado na região central da capital fluminense. A vereadora, que saía de um evento com mulheres negras, foi assassinada com quatro disparos na cabeça. Anderson Gomes, motorista do carro que a transportava, foi atingido por três projéteis nas costas e morreu.

 

Poder econômico



Domingos e Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio, foram presos em março. Os advogados de Domingos e Chiquinho afirmam que não há provas para a narrativa apresentada por Lessa. A formação de milícias é um negócio milionário, porque envolve venda de terrenos, construção e aluguéis de imóveis; exploração de comercio ilegal, como venda de botijões de gás, internet e tevê a cabo piratas; gatos nas redes elétrica e de distribuição de água, serviços de van e motoboys. Ou seja, toda a economia informal que se forma nessas regiões paga pedágio para as milícias, que ocupam o espaço deixado pelo poder público, quando as políticas públicas são capturadas por grandes interesses privados.

 


O falecido geógrafo Milton Santos, que estudou esse fenômeno, sempre destacou o uso político dos territórios nas periferias. Com o cotidiano ao relento, a população de baixa renda se vê obrigada a buscar alternativas de sobrevivência numa espécie de beco sem saída social, porque as políticas públicas acabam mais voltados para o lucro do que para os objetivos urbanísticos e sociais.

 

 


Segundo ele, a vida banal é desprezada pelo poder público e, no espaço urbano onde essa ausência é maior, surgem as soluções improvisadas, as transgressões e a economia informal, que passa a ser controlada pelo crime organizado, que achaca, chantageia e mata, seja o tráfico de drogas, sejam as milícias.

 


O que deseja um cidadão de periferia é um mínimo de qualidade de vida, ou seja, água, esgoto, energia e meios de comunicação, saúde, educação e à cultura, meios de transporte e abastecimento de gêneros adequados. Onde o poder público não garante esses serviços, as milícias tem um terreno fértil. Para agravar a situação, o envolvimento dos milicianos com políticos faz que até os serviços fornecidos pelo Estado passem a ser explorados pelo crime organizado, que avança em direção os contratos de prestação de serviços.