Como aconteceu no de 8 de janeiro, quando os palácios do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) foram invadidos e vandalizados por bolsonaristas que tomaram de assalto a Praça dos Três Poderes, o mundo político se uniu novamente para socorrer o Rio Grande Sul, que registra o maior desastre natural de sua história. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não somente mobilizou seus ministros como convidou os representantes dos demais poderes para acompanhá-lo, domingo, num sobrevoo sobre Porto Alegre e outras cidades inundadas pelas águas do Guaíba. Foi a segunda vez, desde o início da tragédia, que Lula viajou para o Rio Grande do Sul.
Desta vez, convidou os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além da bancada federal gaúcha, para uma reunião com o governador Eduardo Leite (PSDB) e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB). O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Édson Fachin, e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, também participaram da reunião. No encontro, do qual fez parte o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, houve uma espécie de pacto entre os poderes para socorrer os gaúchos com medidas emergenciais.
Nesta segunda-feira, o governo federal anunciou a liberação de R$ 580 milhões em emendas parlamentares individuais, para socorro aos gaúchos. A maior parte do valor, R$ 538 milhões, será destinado à saúde. O restante será aplicado em áreas como cidades, educação e segurança pública. Outros R$ 448 milhões em emendas especiais serão liberados, e R$ 83 milhões em emendas de bancada para a Saúde. O problema é que muitas emendas precisarão ser redirecionadas para mais cidades.
Ontem, Lula também anunciou um projeto legislativo para acelerar o repasse de verbas para o Rio Grande do Sul. Até agora, foram registradas 83 mortes, 111 desaparecidos e 291 pessoas feridas, segundo a Casa Civil. Há 149,3 mil pessoas fora de casa, sendo 20 mil em abrigos e 129,2 mil em casas de familiares ou amigos. Ao todo, 364 dos 496 municípios do estado estão em estado de calamidade, com 873 mil pessoas atingidas por rios, alagamento de cidades, destruição de parte de rodovias.
Eduardo Leite apresentou um relato completo e dramático da destruição causada pelas chuvas. Como o estado não dispõe de recursos para enfrentar os problemas, principalmente na área de infraestrutura, pediu a Lula a execução de uma espécie de Plano Marshall para recuperação do estado. A comparação foi traduzida por Lula quando falou que os gaúchos sempre ajudaram o desenvolvimento do país, agora seria a hora de o Brasil retribuir e ajudar o Rio Grande do Sul.
Idealizado pelo general norte-americano George Catlett Marshall, após a Segunda Guerra Mundial, o plano que levou seu nome totalizou um aporte de 18 bilhões de dólares aos europeus, nos países destruídos pela guerra, inclusive a antiga Alemanha Ocidental. Esses recursos foram utilizados para a reconstrução de edificações e indústrias, importação de alimentos e mercadorias industrializadas, bem como no financiamento da agricultura. Dois órgãos foram criados para isso: a Administração de Cooperação Econômica, pelos EUA, e a Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECD).
O Plano Marshall (1947-1951) possibilitou a rápida recuperação dos países europeus, sendo uma réplica do New Deal, o programa de recuperação econômica realizado no governo de Franklin Delano Roosevelt para reerguer a economia norte-americana após a crise de 1929, o crack da Bolsa de Valores de Nova York. Os principais beneficiados do plano foram a Inglaterra, a França e a Itália. O plano econômico também tinha objetivos políticos: confrontar o modelo de socialismo implantados da antiga União Soviética e do Leste Europeu, estabilizar a situação política e social na Alemanha; e conter o avanço dos partidos comunistas na França e na Itália.
Os EUA e a Europa Ocidental apostaram na melhoria dos níveis de consumo material da população, além da criação de uma forte estrutura estatal de oferecimento de serviços sociais, nas áreas de saúde, educação e emprego. Deu certo: foram alcançadas altas taxas de crescimento econômico; o plano serviu ainda para criar as bases do “Estado de bem-estar social” europeu.
O texto do decreto enviado por Lula ao Congresso reconhece “a ocorrência do estado de calamidade pública em parte do território nacional, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no estado do Rio Grande do Sul”. Pela proposta, a União fica autorizada fazer despesas e renúncias fiscais em favor do Rio Grande do Sul sem cumprir regras sobre limite de gastos e flexibiliza regras para contratação de serviços e compra de produtos por parte do poder público.
Do ponto de vista político, já surgem divergências entre os deputados da bancada gaúcha quanto ao redirecionamento de recursos e o mercado já sinaliza que o equilíbrio fiscal deve ser mantido, mas quem está mantendo a iniciativa é o governo federal, que também organiza o amplo movimento de solidariedade às vítimas para que as doações de roupas e alimentos cheguem aos mais necessitados.