O plenário do Senado adiou para hoje a votação do projeto de lei que institui o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover). O relator da matéria, Rodrigo Cunha (Podemos-AL), retirou do parecer o jabuti, aprovado na Câmara na última semana, que estabelece a cobrança de uma alíquota de 20% sobre as compras internacionais de até US$ 50. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), diante da retirada, reclamou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e pediu para adiar a votação. As bancadas do MDB, União Brasil e PP são a favor da manutenção da taxação.
O pedido de adiamento foi feito pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que argumentou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende vetar uma série de dispositivos que são parte da taxação. Esse encaminhamento criou mais um atrito com Lira, que revelou ter negociado a aprovação da cobrança com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por intermédio do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Ele avisou a Haddad que negociava com “um só governo”. Líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM) anunciou que partido deverá votar pela manutenção do texto como veio da Câmara. O líder do União Brasil, Efraim Filho (PB), apresentará destaque pela manutenção da taxação em plenário. “O MDB deverá encaminhar a favor do destaque do Efraim”, anunciou Braga. Seu argumento é que esses produtos importados estão concorrendo com a indústria nacional.
E estão mesmo. Na avaliação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio CNC)), a isenção elimina 250 mil empregos no país. Em um período de 10 anos (2013-2022), as importações de pequeno valor tiveram uma alta de US$ 800 milhões para US$ 13,1 bilhões, um montante que representou 4,4% do total de itens importados em 2023. Desde janeiro, as entidades ameaçam entrar com uma ação contra a isenção do imposto de importação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo as entidades, há descontrole com relação às compras, que normalmente são bens de consumo de baixo preço, aos quais o presidente Lula se referiu quando falou da “blusinha”, adquiridas pela população de menor renda. Os empresários querem que os Correios tenham mais rigor na checagem do CEP e do volume de produtos importados. Arthur Liracomprou essa briga da indústria nacional e das grandes redes de magazines, que estão tendo prejuízos com o chamado e-commerce.
Rodrigo Cunha disse que a cobrança de uma alíquota de 20% em compras internacionais até US$ 50 seria um “corpo estranho, uma artimanha legislativa” no projeto que trata da transição energética no setor de produção de veículos automotores. Caso sua posição prevaleça, o texto do Mover deve voltar para a análise da Câmara.
Indústria nacional
Pacheco, após encerrar os trabalhos, convocou reunião do colégio de líderes para tentar negociar um acordo. Segundo ele, Cunha agiu com prudência. “Nesse caso concreto, de fato, há estabelecimento de concorrência entre os mesmos produtos entre a indústria nacional e a indústria estrangeira. Não pode haver um tratamento diferenciado em relação a isso. (...) Me parece, de fato, que se estabelecer uma taxação uniforme entre o que vem do exterior e o que é produzido aqui, é algo que vem a calhar para aquilo que nós queremos, que é o desenvolvimento da indústria nacional", disse o presidente do Senado.
O programa Mover de fato não tem nada a ver com as pequenas compras pela internet. A espinha dorsal do projeto é o estímulo à produção de automóveis sustentáveis. A taxação às compras internacionais, segundo o relator do projeto no Senado, deveria ser tratada em outra matéria. O governo, inclusive, há nove meses, criou um programa para isso: a chamada Remessa Conforme. Nesse programa, foi inserida a cobrança de 17% de ICMS, um acordo feito com Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).
Todos os estados estão recebendo essa alíquota. Hoje, para poder vender no Brasil, as empresas varejistas internacionais tiveram de se adequar a novas regras muito mais rígidas, inclusive, trazendo transparência. O assunto também será tratado na regulamentação da reforma tributária.
A polêmica sobre a chamada “taxa da blusinha” embaralhou o posicionamento dos partidos no Congresso. A esquerda, que sempre foi desenvolvimentista e nacionalista, está votando contra a taxa, conforme a orientação de Lula. A oposição agarrou a bandeira da defesa da indústria nacional com as duas mãos e passou a defender a taxação. Nos bastidores, a equipe econômica apoiava a taxação, de olho no aumento de arrecadação.
O pior dos mundos é a discussão ganhar um viés ideológico, como já começam a pontuar deputados e senadores de oposição que fazem campanha contra a China comunista. Enquanto o agronegócio fatura alto com as exportações para a potência asiática, a indústria e as grandes redes comerciais argumentam que sofrem concorrência desigual.