Pode-se avaliar que existe um descolamento do Congresso, principalmente de seus líderes, dos interesses da grande massa de eleitores que os colocaram nos devidos assentos. Entretanto, a única métrica disponível para essa avaliação são as pesquisas de opinião, que mandam um sinal contrário: segundo o Datafolha de abril passado, o trabalho do Congresso Nacional é avaliado como ótimo ou bom por 22% (era 18%), como regular, por 53% (era 43%) e, como ruim ou péssimo, por 23% (era 35%). Uma parcela de 2% não opinou (era 4%).

 

Por ironia, essas taxas de aprovação são mais altas entre os simpatizantes do PT (31%), entre os que avaliam como ótimo ou bom o governo Lula (36%), entre os que avaliam que a situação econômica do país melhorou (31%) e entre os que avaliam que a situação econômica pessoal melhorou (31%). O resultado dessa pesquisa mostra a zona de conforto que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desfrutam para pôr em votação agendas conservadoras e de oposição ao governo Lula.

 





Criminalizar o consumo de maconha, proibir o aborto de crianças vítimas de estupro e acabar com a delação premiada de criminosos que estejam presos, assuntos em discussão na Câmara, são pautas polêmicas, manobradas por Lira, que têm grande apelo junto aos eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Devolver parcialmente uma medida provisória sobre o PIS-Cofins, com procedeu Rodrigo Pacheco no Senado, para não aumentar impostos, com amplo apoio dos agentes econômicos, também mostra que as dificuldades do governo transbordam a pauta dos costumes e emergem na agenda econômica, onde a prioridade deveria ser regulamentar a reforma tributária.



Os 23% que reprovam o trabalho do Congresso Nacional estão entre os mais instruídos (31%), os que possuem renda familiar mensal de mais de 5 a 10 salários-mínimos (33%), avaliam como ruim ou péssimo o governo do presidente Lula (36%), acham que a situação econômica do país piorou (31%) e a situação econômica pessoal (31%). A estrada por onde caminha a agenda de Jair Bolsonaro tem apelo popular e leva à supressão de direitos das minorias. Para barrar essa agenda, só a mobilização da sociedade; a bancada que defende esses direitos é minoritária no Congresso.



Quando se olha para esse tabuleiro, o que se vê é a forma eficiente como os aliados de Jair Bolsonaro operam posições estratégicas no Congresso. É o caso dos bolsonaristas da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que aprovou na quarta-feira a chamada PEC do Aborto. No Senado, já se realinharam para voltar a participar da Mesa e das comissões, ao se aliar ao atual presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), que pretende voltar a presidir o Senado.




Pinto no lixo



O maestro da orquestra bolsonarista é o longevo presidente do PL, o ex-deputado Valdemar Costa Netto, velha e calejada raposa política, que na quarta-feira circulava como pinto no lixo pelos plenários do Congresso. Cumpriu a pena do processo do mensalão (sete anos e seis meses de prisão em regime semiaberto e multa R$ 1 milhão) e se safou em 48 horas da última prisão, por porte ilegal de arma, em fevereiro passado. Levou um flagrante numa busca e apreensão da Polícia Federal na sede do PL, em Brasília, duramente as investigações da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro. Foi solto, depois de autuado, por uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que preside o inquérito.



Valdemar concedeu uma entrevista quebra-queixo no cafezinho do Senado na quarta-feira, na qual confirmou o apoio do PL à volta Alcolumbre à presidência da Casa e disse que ainda não existe uma definição sobre o apoio a Elmar Nascimento (União-BA), candidato de Arthur Lira à própria sucessão. Precisa convencer uma ala mais radical da bancada do PL, deseja uma candidatura própria à presidência da Câmara, por ser a maior bancada. Valdemar avalia que seria um erro, pois a bancada acabaria isolada, numa situação semelhante àquela do Senado, após a derrota de Rogério Marinho (PL-RN) na disputa com Rodrigo Pacheco pelo comando da Casa.



Essa movimentação mostra mais desenvoltura dos bolsonaristas no Congresso do que a da bancada do PT. A liderança petista parece mais empenhada em desestabilizar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Resultado: não é uma força decisiva na sucessão de Lira e de Pacheco, o que fragiliza o governo. Dizer que o Congresso é conservador, como faz o líder do governo, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), é chover no molhado: é a realidade inescapável. Como lidar com essa desvantagem é o xis do problema. Obstruir a pauta reacionária, preservar as políticas sociais e avançar na agenda econômica exigem alianças amplas e mais habilidade na condução da sucessão das duas Casas. Não deveria ser uma missão impossível para quem está no poder.




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