O governo foi pego de surpresa em relação às queimadas, mas não foi por falta de advertência das instituições responsáveis pelo monitoramento do clima nem da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Depois das enchentes no Rio Grande Sul, que se enquadram na categoria dos eventos extremos, os incêndios no Pantanal e no Cerrado estão só começando e já são avassaladores.
Ontem, no Palácio do Planalto, Marina Silva se reuniu com o gabinete de crise formado também pela ministra Simone Tebet, do Planejamento, e o ministro Valdez de Goes, da Integração, além de Miriam Belchior (Casa Civil), que substitui o ministro Rui Costa, em férias. A situação é ainda mais crítica porque os servidores dos órgãos ambientais, ontem, anunciaram uma greve por tempo indeterminado. Ou seja, o governo federal está com as mãos atadas.
Como no velho ditado que diz que alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo, os servidores federais ambientais decidiram pela greve em 17 estados e no Distrito Federal. Estão vinculados ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e ao Serviço Florestal Brasileiro. Mais de 1.300 servidores, em protesto, entregaram os cargos de chefia.
A greve começa hoje em nove estados: Acre, Espírito Santo, Goiás, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Tocantins. Dois são da Amazônia (AC e PA) e dois no Cerrado (GO e TO). Distrito Federal, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e São Paulo são onde pretendem iniciar a greve no primeiro dia de julho. Amapá, Alagoas, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Rondônia, Roraima e Sergipe ainda não decidiram, mas devem aderir à greve. Até agora, os servidores do Ceará foram os únicos que rejeitaram a paralisação das atividades.
Os servidores já estavam com atividades de fiscalização e licenciamento, e outras operações de campo, suspensas desde janeiro; agora, a greve deve estender a paralisação para os serviços administrativos. É muita irresponsabilidade, que já se reflete nos indicadores de queimadas. A paralisação no Ibama, por exemplo, derrubou 80% das operações de fiscalização de proteção da Amazônia, que depende de viagens de servidores. No restante do país, 60%,
No Pantanal, neste ano, já houve 3.263 focos de incêndio, 22 vezes mais do que no ano passado. São incêndios provocados pelo calor e a seca, mas também por aqueles que se aproveitam da situação para desmatar, principalmente para fazer pasto. No Cerrado, a situação é muito mais grave, porque já foram registrados 12.097 focos de incêndio, um crescimento de 32%, sendo 53% da área atingida na fronteira agrícola do bioma: Maranhão, Tocantins e Piauí, o que reforça a suspeita de incêndios criminosos.
Cerrado sofre
A greve dos agentes ambientais, cujo papel na defesa dos biomas é fundamental, em meio as queimadas, chantageia um governo que mudou o tratamento dado à questão ambiental no Brasil, embora ainda aposte mais na exploração de petróleo e menos na aceleração da transição para a economia verde. O Ministério da Gestão apresentou aos servidores, na mesa de negociação, propostas de reajustes de 19% a 39%, que estão muito acima de qualquer reajuste dos trabalhadores do setor privado. Fizeram ouvidos moucos. O combate às chamas está sendo feito por órgãos estaduais e municipais.
Os olhos estão voltados muito mais para as imagens impressionantes e a fumaça que se espalha no Pantanal, situação que é agravada pela seca do rio Paraguai, mas expansão gradativa e contínua das áreas agrícolas no Cerrado, o novo celeiro do Brasil, é muito preocupante, porque consome muita água e, ao mesmo tempo, fragiliza as nascentes dos principais rios do país. Por causa do Aquífero Guarani (grande reservatório d´água subterrâneo), o cerrado é a caixa d’água do Brasil, e da América do Sul, e está em chamas. O bioma encontra-se em uma região central do território brasileiro.
As altitudes e o grande número de nascentes fazem com que haja um bom escoamento das águas para outras regiões, auxiliando na distribuição dos recursos hídricos. O Rio São Francisco, por exemplo, possui mais de 90% de suas nascentes situadas no Cerrado, embora quase 55% das águas desse rio encontrem-se fora desse bioma. A bacia dos rios Paraná e Paraguai também possui suas origens situadas no Cerrado, que envia águas até mesmo para a Bacia Amazônica.
Nascem no Cerrado os rios Xingu (Bacia Amazônica), Tocantins e Araguaia (bacia do Tocantins-Araguaia), São Francisco (bacia do São Francisco), Parnaíba (bacia do Parnaíba), Gurupi (Bacia Atlântico Leste ocidental), Jequitinhonha (bacia do Atlântico Leste), Rio Paraná (bacia do Paraná) e do Paraguai (bacia do Paraguai). Os dois se unem para formar a bacia do Rio da Prata, que banha o Paraguai, o Uruguai e a Argentina. Nove em cada dez brasileiros consomem eletricidade gerada por águas do Cerrado, sem as quais não existira a hidrelétrica de Itaipu.