Críticas à autonomia do Banco Central (BC), à taxa de juros elevada e a defesa de uma agenda expansionista continuam a ditar as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -  (crédito: EVARISTO SÁ/AFP)

Críticas à autonomia do Banco Central (BC), à taxa de juros elevada e a defesa de uma agenda expansionista continuam a ditar as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

crédito: EVARISTO SÁ/AFP


Há 30 anos, no governo Itamar Franco, quando foi lançado o Plano Real, repórter do jornal “O Globo” em São Paulo, perguntei a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então o candidato favorito à Presidência nas eleições de 1994, se ele torcia para o plano dar certo ou para dar errado?  Lula se enrolou, disse que torcia para o plano dar certo, mas infelizmente, que achava que daria errado. Era a avaliação de seu vice, Aloizio Mercadante, e a também da economista Maria da Conceição Tavares, recentemente falecida.



Como no samba “Feitio de oração”, de Noel Rosa, em economia, quem acha vive se perdendo. É preciso fazer contas. O plano deu certo e Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda e candidato do governo à Presidência, acabou vencendo as eleições no primeiro turno. Foi uma campanha na qual o PT já havia cometido outros erros, entre os quais não apoiar o governo Itamar nem aceitar uma aliança com o PSDB, que implicaria apoio a Mario Covas, em São Paulo, como desejava o então governador do Ceará, Tasso Jereissati.

 



O trauma dessa eleição, associado à derrota de 1998, quando FHC foi eleito, serviria de lição, mais tarde, para a campanha de 2002, na qual Lula rezou na cartilha do mercado, na Carta aos Brasileiros. Qual era o divisor de águas àquela época? Era a continuidade dos três pressupostos do Plano Real, que estavam consolidados: meta de inflação, equilíbrio fiscal e câmbio flutuante. Até hoje, esse divisor de águas continua valendo para o mercado, que manda recados por meio do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mas principalmente pelo câmbio e a Bovespa. Ele é alvo de sistemáticos ataques de Lula, por interromper a queda da taxa de juros, e por suas notórias ligações ideológicas com o grupo político do ex-presidente Jair Bolsonaro, que o indicou para o cargo.



A cada ataque de Lula contra Campos, o dólar sobe. Em parte, por causa das incertezas do cenário internacional, entre as quais as eleições nos Estados Unidos e na França. Entretanto, diante dessas mesmas incertezas, os seus fundamentos internos são a ancoragem para os agentes econômicos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenta manter a ancoragem, mas o que não falta no PT são vozes discordantes. A cúpula petista vibra com as diatribes econômicas de Lula.



Nesta segunda-feira, em entrevista à rádio Princesa, de Feira de Santana, Lula disse que os bancos são os responsáveis por tirar terra dos agricultores, e não o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Esses dias, eu vi o ministro da Agricultura, companheiro [Carlos] Fávaro, dizer que o agronegócio não deveria ter medo das ocupações dos sem-terra, porque quem está tomando terra deles hoje são os bancos, que compram os títulos da dívida agrária deles. E o banco, quando compra um título, é imperdoável. Ele vai em cima e recebe ou toma a terra.”



Regras do jogo



São meias verdades, o MST se transformou num grande sistema de cooperativas, focado na produção de alimentos orgânicos, mas o balanço oficial do “Abril Vermelho” deste ano registra a realização de 26 ocupações de terra e cinco novos acampamentos. As mobilizações ocorreram em 18 estados e no Distrito Federal e envolveram 30 mil militantes. Historicamente, a reforma agrária está associada ao desenvolvimento capitalista no campo. Até recentemente, a esquerda dizia que o Brasil não se desenvolveria com a monocultura das grandes propriedades e a presença do capital estrangeiro. Deu-se o contrário: o agronegócio promoveu uma revolução agrícola, com uso intensivo da tecnologia e notável aumento de produtividade, apesar da existência de alguns setores muito atrasados, grileiros e predadores. Hoje é o setor mais dinâmico da economia. Em tempo: o Plano Safra emprestará R$ 500 bilhões ao agronegócio; dos quais a carteira de crédito do Banco do Brasil deve liberar R$ 195 bilhões, em 612 mil operações.



Como diria o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, Lula subestima o “spiritus animalis” do mercado. É um conceito associado à psicologia, adotado pelo famoso economista britânico John Maynard Keynes (1883 — 1946), cujo significado em latim é “o sopro que desperta a mente humana”. O termo refere-se às oscilações do ciclo econômico, tanto na “economia real” (indústria, comércio e serviços) como no mercado financeiro.



Keynes, na crise de 1929, defendia que os agentes econômicos tomavam as suas decisões mais em função de instinto e da concorrência do que dos fundamentos econômicos, o que gerava excessos, principalmente nos momentos de grande incerteza.

 

Por isso, a política econômica deve ajustar a economia, aumentando a demanda sem surtos inflacionários e mantendo o balanço de pagamentos estável, em um ambiente institucional que influencie positivamente seus agentes. Por essa razão, o economista Richard Thaler (Prêmio Nobel de Economia de 2017) defende regras do jogo para compensar a falta de autocontrole e a irracionalidade na economia. Isso vale para o mercado e para os governantes.