Bastou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entrar em férias e o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, assumir seu lugar, interinamente, para o dólar despencar. Ex-braço direito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Galípolo assumiu a chefia do BC por indicação de Campos Neto. O dólar encerrou a sessão desta terça-feira em queda de 1,71%, de volta aos R$ 5,56. Galípolo é o mais cotado para a sucessão de Campos Neto, em dezembro, por indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O dólar chegou a bater os R$ 5,70 durante a tarde, o maior patamar em dois anos e meio, alta atribuída à cautela do mercado com as recentes críticas de Lula ao BC e seu presidente, Roberto Campos Neto.


As providenciais férias de Campos Neto favoreceram a queda do dólar, mas a moderação do presidente Lula no lançamento do Plano Safra também: enalteceu a competência e a importância do agronegócio e disse que tem compromisso com o equilíbrio fiscal. Sinais positivos de controle da inflação nos Estados Unidos ainda contribuíram para alterar os humores dos mercados.

 



 

Nos bastidores do mercado financeiro, as férias de Campos Neto e a reunião de Lula com Haddad, ontem, deixaram os investidores de orelha em pé, que temiam uma intervenção forte do Banco Central no mercado de câmbio, sob comando de Galípolo. As reuniões entre Lula e o ministro Haddad de fato estão servindo para desanuviar um pouco o mercado. Oficialmente, o Palácio do Planalto disse que o encontro tratou apenas do "tema fiscal", mas o mercado acredita que medidas para tentar conter o avanço do dólar também foram cogitadas.A especulação com o dólar começou quando Campos Neto afirmou ao mercado que não iria intervir no câmbio e considerava a alta resultado de um movimento natural de ajuste do mercado às conjunturas internacional e expectativas sobre a economia brasileira. Ao fazer isso, num momento de crescimento das incertezas com relação ao juro americano e às críticas dos economistas à política fiscal do governo, deu a senha aos operadores das mesas de câmbio do mercado (bancos, corretoras, especuladores e gestores de recursos) de que o câmbio não tinha mais xerife.


Ou seja, poderiam especular à vontade. Não haveria risco de punição ou perda pela entrada do Banco Central no mercado para administrar os exageros na volatilidade criada pela ação dos especuladores. O presidente do BC, muito ligado ao ex-ministro da Economia Paulo Guedes e ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Tem vasta experiência como operador no câmbio.O mercado de câmbio no Brasil é flutuante, ou seja, a cotação do dólar flutua de acordo com o fluxo de entrada e saíde de dólares no Brasil, por conta do comércio exterior (superávit positivos e batentes recordes) e investimentos estrangeiros (também positivo, exceto bolsa). Se está positivo, a razão para as altas diárias são motivadas por compras sem fundamento econômico, ou seja, a ação especulativa, que chegou a ser apontada pelo presidente Lula na queda de braços com Campos.

 

Mesa de câmbio

 

 

Sem a vigilância da mesa de câmbio do BC, que tem, entre outras funções, coibir os exageros, a especulação com o câmbio passa a ser o melhor negócio do país, ainda mais com a taxa de juros atual. Ganha quem compra títulos do governo e ganha ainda mais quem compra e vende dólar forçando as altas. Ontem, já se falava em subir a taxa de juros por causa da alta do dólar. Se o câmbio sobe e o juro sobe, o mercado entra em estado disfuncional.É falsa a tese de que não adianta o BC entrar no mercado de câmbio, pois seria enxugar gelo. O argumento de que US$ 350 bi em reservas seriam volatilizados rapidamente não tem o menor cabimento. Se o BC avisar que vai vender US$ 500 mi em swaps, simples aviso, o câmbio volta a cair e causará grandes prejuízos a quem apostar na alta. Essa correção por si só conteria a onda de especulação do mercado.


Juros nos EUA, cenário fiscal e declarações de Lula, sim, mexeram com o dólar, mas o Banco Central deveria ter entrado no mercado. Ontem, o dólar acumulou queda de 0,36% na semana; recuo de 0,36% no mês; porém, alta é de 14,75% no ano. O real está entre as moedas que mais se desvalorizou. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, porém, acredita que o câmbio vai “se acomodar” nos próximos dias. O ministro evitou comentar se o Banco Central deveria ajudar o governo a conter a desvalorização do real neste ano, uma das maiores do mundo, mas isso não é coisa que se fale antes de fazer.

 

 

No final da cerimônia de lançamento do Plano Safra Agricultura Familiar, Lula disse que “responsabilidade fiscal é compromisso” e que governo “não joga dinheiro fora”. Desta vez, Lula não mencionou o Banco Central, a alta do dólar ou o patamar da taxa de juros. Campos Neto volta do período de férias antes da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que acontece nos dias 30 e 31 de julho. O colegiado é responsável por fixar a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 10,5% ao ano.

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